Páginas

03 dezembro 2025

Renúncia (Notas de Livro)

Título: Renúncia. História Real. Século de Luís XIV em França, Espanha, Irlanda e Américas. Heroísmo e Martírio de Alcione.

Autor: Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel

Copyright 1942

Velhas Recordações 

Quem poderá deter as velhas recordações que iluminam os caminhos da eternidade?

Lembramo-nos de Alcione, desde os dias de sua infância. Muitas vezes a vi, com o Padre Damiano, num velho adro de Espanha, passeando ao pôr do Sol.

Não raro, levantava o semblante infantil para o céu e perguntava, atenciosa:

— Padre Damiano, quem terá feito as nuvens, que parecem flores grandes e pesadas, que nunca chegam a cair no chão?

— Deus — minha filha — dizia o sacerdote.

Mas, como se no coração pequenino não devesse existir esquecimento das coisas simples e humildes, voltava ela a interrogar:

— E as pedras? — quem teria criado as pedras que seguram o chão?

— Foi Deus também.

Então, após meditar de olhos mergulhados no grande crepúsculo, a pequenina exclamava:

— Ah! como Deus é bom! Ninguém ficou esquecido!

 Fantasma do Esquecimento do Passado 

— O que mais me impressiona — proclamava um companheiro — é o fantasma do esquecimento que nos obscurece o espirito, lá na Terra. Antes da experiência, arquitetamos mil projetos de esforço, dedicação, perseverança; somos nababos de preciosas intenções, mas, chegado o momento de as executar, revelamos as mesmas fraquezas ou incidimos nas mesmas faltas que nos compeliram aos desfiladeiros do crime e das reparações acerbas.

— Mas, onde estaria o mérito — explicava o amigo a quem eram dirigidas aquelas observações — se o Criador não nos felicitasse com esse olvido temporário? Quem poderia aguardar o êxito desejável, defrontando velhos inimigos, sem o bálsamo dessa bênção celestial sobre a chaga da lembrança? Sem a paz do esquecimento transitório, talvez a Terra deixasse de ser escola abençoada para ser ninho abominável de ódios perpétuos.

— Entretanto — objetava o interlocutor — semelhante situação me atemoriza. Sinto enorme angústia só em pensar que perderei novamente a memória, que ficarei quase inconsciente de meu patrimônio espiritual, ao palmilhar as estradas terrestres, qual enterrado vivo a quem fosse subtraída a faculdade de respirar.

— Mas, como aprenderias a humildade com as reminiscências ativas do orgulho? Poderias, acaso, beijar um filho, sentindo nele a presença de um inimigo figadal? Conseguirias, de pronto, a força precisa para santificar, pelos elos conjugais, a mulher que manchaste noutros tempos, induzindo-a ao meretrício e às aventuras infames? Não percebes, no olvido terreno uma das mais poderosas manifestações da bondade divina para com as criaturas criminosas e transviadas? Concordo em que a experiência humana para quem observou, mesmo de longe, como aconteceu a nós outros, as resplendências da vida espiritual, significa, de fato, a reparação laboriosa no seio de um sepulcro; mas nós, meu caro Menandro, estamos desde há muito mumificados no crime. Nossa consciência necessita do toque das expiações salvadoras. A morte mais terrível é a da queda, mas a Terra nos oferece a medicação justa, proporcionando-nos a santa possibilidade de nos reerguermos. Renasceremos em suas formas perecíveis e, em cada dia da experiência humana, morreremos um pouco, até que tenhamos eliminado, com o auxílio da poeira do mundo, os monstros infernais que habitam em nós mesmos... (Capítulo I — "Sacrifícios amor" (Primeira parte) 

Exemplos de Alcione

No enredo, Alcione, filha de Cirilo Davenport e Madalena Vilamil, tem seus pais separados pela astúcia de Suzana Davenport: a esposa estaria morta para o marido e o marido estaria morto para a esposa. Depois de algum tempo, Susana acaba se casando com Cirilo, tendo uma filha.

O destino, contudo, faz com que Alcione vá trabalhar na casa Cirilo e de Susana. Mesmo tendo conhecimento do ocorrido, não deixa transparecer ao casal, que Cirilo é seu pai. Somente quando sua mãe está prestes a desencarnar é que Cirilo vem a saber.

Depois da morte de sua mãe, acaba cuidando de Susana, que enlouquecera pelo mal praticado ao casal.

Suas pregações evangélicas deixavam os conhecedores da religião admirados, pois falava com o coração. 

No começo do livro discute-se a missão de Alcione para ajudar a regeneração de seu amado (reencarnado como Carlos). 

Eis um trecho no final do livro:

Com efeito, logo que amanheceu, José do Santíssimo (Carlos), acolitado por dois outros religiosos, desceu às celas subterrâneas, a fim de estabelecer o primeiro e último contato com a freira carmelita de Medina Del Campo. Ao clarão da lanterna, aproximou-se da condenada que jazia na sórdida enxerga, abraçada ao crucifixo singular. Moribunda, apenas os olhos nela falavam, vivazes. Os membros e os traços fisionômicos estavam aniquilados, num conjunto de intraduzível abatimento. O eclesiástico experimentou estranha sensação e teve ímpetos de recuar, mas procurou manter-se firme e perguntou:

— Maria de Jesus Crucificado (Alcione), porventura já estará resolvida a confessar o crime de heresia, para que possa receber os sacramentos da extrema-unção?

A interpelada demonstrou no olhar impressionante uma atitude mental de júbilo e murmurou:

— Carlos!... Carlos!...

O  jesuíta cambaleou, num ricto de terror, o livro escapou-se-lhe das mãos trêmulas, e caiu, maquinalmente, de joelhos. Aproximou a lanterna do rosto da agonizante, exclamando com indefinível angústia:

— Alcione! Alcione!... tu? Sonho? Ou enlouqueço?

A agonizante pareceu concentrar todas as energias para o esforço daqueles supremos momentos e retrucou:

— Sim... O Pai Celestial atendeu aos meus rogos e eu não partirei sem o conforto do teu olhar...

— Que fazias em Medina? Que quer isso dizer, Deus meu?...

 


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário