Título: Renúncia. História Real. Século de Luís XIV em França, Espanha, Irlanda e Américas. Heroísmo e Martírio de Alcione.
Autor:
Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel
Copyright
1942
Velhas Recordações
Quem poderá deter as
velhas recordações que iluminam os caminhos da eternidade?
Lembramo-nos de
Alcione, desde os dias de sua infância. Muitas vezes a vi, com o Padre Damiano,
num velho adro de Espanha, passeando ao pôr do Sol.
Não raro, levantava o
semblante infantil para o céu e perguntava, atenciosa:
— Padre Damiano, quem
terá feito as nuvens, que parecem flores grandes e pesadas, que nunca chegam a
cair no chão?
— Deus — minha filha — dizia o sacerdote.
Mas, como se no
coração pequenino não devesse existir esquecimento das coisas simples e
humildes, voltava ela a interrogar:
— E as pedras? — quem
teria criado as pedras que seguram o chão?
— Foi Deus também.
Então, após meditar
de olhos mergulhados no grande crepúsculo, a pequenina exclamava:
— Ah! como Deus é bom! Ninguém ficou esquecido!
—
O que mais me impressiona — proclamava um companheiro — é o fantasma do
esquecimento que nos obscurece o espirito, lá na Terra. Antes da experiência,
arquitetamos mil projetos de esforço, dedicação, perseverança; somos nababos de
preciosas intenções, mas, chegado o momento de as executar, revelamos as mesmas
fraquezas ou incidimos nas mesmas faltas que nos compeliram aos desfiladeiros
do crime e das reparações acerbas.
—
Mas, onde estaria o mérito — explicava o amigo a quem eram dirigidas aquelas
observações — se o Criador não nos felicitasse com esse olvido temporário? Quem
poderia aguardar o êxito desejável, defrontando velhos inimigos, sem o bálsamo
dessa bênção celestial sobre a chaga da lembrança? Sem a paz do esquecimento
transitório, talvez a Terra deixasse de ser escola abençoada para ser ninho
abominável de ódios perpétuos.
—
Entretanto — objetava o interlocutor — semelhante situação me atemoriza. Sinto
enorme angústia só em pensar que perderei novamente a memória, que ficarei
quase inconsciente de meu patrimônio espiritual, ao palmilhar as estradas
terrestres, qual enterrado vivo a quem fosse subtraída a faculdade de respirar.
—
Mas, como aprenderias a humildade com as reminiscências ativas do orgulho?
Poderias, acaso, beijar um filho, sentindo nele a presença de um inimigo
figadal? Conseguirias, de pronto, a força precisa para santificar, pelos elos
conjugais, a mulher que manchaste noutros tempos, induzindo-a ao meretrício e
às aventuras infames? Não percebes, no olvido terreno uma das mais poderosas
manifestações da bondade divina para com as criaturas criminosas e transviadas?
Concordo em que a experiência humana para quem observou, mesmo de longe, como
aconteceu a nós outros, as resplendências da vida espiritual, significa, de
fato, a reparação laboriosa no seio de um sepulcro; mas nós, meu caro Menandro,
estamos desde há muito mumificados no crime. Nossa consciência necessita do
toque das expiações salvadoras. A morte mais terrível é a da queda, mas a Terra
nos oferece a medicação justa, proporcionando-nos a santa possibilidade de nos
reerguermos. Renasceremos em suas formas perecíveis e, em cada dia da
experiência humana, morreremos um pouco, até que tenhamos eliminado, com o
auxílio da poeira do mundo, os monstros infernais que habitam em nós mesmos...
(Capítulo I — "Sacrifícios amor" (Primeira parte)
Exemplos
de Alcione
No
enredo, Alcione, filha de Cirilo Davenport e Madalena
Vilamil,
tem seus pais separados pela astúcia de Suzana Davenport: a esposa
estaria morta para o marido e o marido estaria morto para a esposa. Depois de
algum tempo, Susana acaba se casando com Cirilo, tendo uma filha.
O
destino, contudo, faz com que Alcione vá trabalhar na casa Cirilo e de Susana. Mesmo
tendo conhecimento do ocorrido, não deixa transparecer ao casal, que Cirilo é
seu pai. Somente quando sua mãe está prestes a desencarnar é que Cirilo vem a
saber.
Depois da
morte de sua mãe, acaba cuidando de Susana, que enlouquecera pelo mal praticado
ao casal.
Suas pregações
evangélicas deixavam os conhecedores da religião admirados, pois falava com o
coração.
No começo do livro discute-se a missão de Alcione para ajudar a regeneração de seu amado (reencarnado como Carlos).
Eis um trecho no final do livro:
Com efeito, logo que amanheceu, José do Santíssimo (Carlos), acolitado por
dois outros religiosos, desceu às celas subterrâneas, a fim de estabelecer o
primeiro e último contato com a freira carmelita de Medina Del Campo. Ao clarão
da lanterna, aproximou-se da condenada que jazia na sórdida enxerga, abraçada
ao crucifixo singular. Moribunda, apenas os olhos nela falavam, vivazes. Os
membros e os traços fisionômicos estavam aniquilados, num conjunto de
intraduzível abatimento. O eclesiástico experimentou estranha sensação e teve
ímpetos de recuar, mas procurou manter-se firme e perguntou:
— Maria de Jesus Crucificado (Alcione),
porventura já estará resolvida a confessar o crime de heresia, para que possa
receber os sacramentos da extrema-unção?
A interpelada demonstrou no olhar
impressionante uma atitude mental de júbilo e murmurou:
— Carlos!... Carlos!...
O jesuíta cambaleou, num
ricto de terror, o livro escapou-se-lhe das mãos trêmulas, e caiu,
maquinalmente, de joelhos. Aproximou a lanterna do rosto da agonizante,
exclamando com indefinível angústia:
— Alcione! Alcione!... tu? Sonho?
Ou enlouqueço?
A agonizante pareceu concentrar
todas as energias para o esforço daqueles supremos momentos e retrucou:
— Sim... O Pai Celestial atendeu
aos meus rogos e eu não partirei sem o conforto do teu olhar...
— Que fazias em Medina? Que quer isso dizer, Deus meu?...

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