A relação
entre Jesus e César pode ser vista:
1) Histórico-política:
César simboliza o poder imperial romano, que dominava a Palestina na época de
Jesus; Jesus, por outro lado, representava uma proposta espiritual e ética que
não se confundia com o poder político, mas também não o ignorava; a frase “Dai
a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” mostra essa distinção: reconhecer
a legitimidade da ordem civil sem confundi-la com a esfera divina.
2)
Teológica: O contraste entre o Reino de Deus e o reino terreno:
César representa a ordem mundana, marcada por poder, impostos, hierarquia e
violência; Jesus anuncia um Reino baseado em justiça, amor, humildade e
serviço. Enquanto César exigia culto e lealdade absoluta, Jesus rejeita esse
tipo de idolatria ao Estado, reafirmando que só Deus merece adoração plena.
3)
Filosófico e ético: O dilema entre obedecer às leis humanas e seguir a
consciência espiritual. O ensinamento de Jesus inspira reflexão sobre até que
ponto é legítimo obedecer à autoridade civil, principalmente quando esta entra
em conflito com princípios éticos superiores.
Que poderia ter acontecido se Jesus recorresse à proteção de César?
Se Jesus tivesse aderido à Cesar em vez de manter sua missão espiritual e profética,
o mundo provavelmente teria sido muito diferente. Eis alguns
cenários possíveis:
1) O desaparecimento do Cristianismo
como o conhecemos: Se Jesus
tivesse se submetido a César, sua mensagem teria sido diluída no pragmatismo
político e talvez não tivesse passado de mais um movimento religioso local,
integrado ao império romano. Sem a cruz e sem a resistência à lógica do poder,
dificilmente haveria a mesma inspiração para mártires e comunidades que
expandiram a fé.
2) A fusão entre religião e poder já no início: Ao seguir César, Jesus teria
legitimado o império romano como parte do plano divino. Isso poderia ter criado
uma religião imperial desde o começo, semelhante ao culto ao imperador. O
cristianismo poderia ter se tornado apenas um braço religioso do Estado, sem a
força transformadora de questionar injustiças.
3) Perda
da ética revolucionária: O Sermão da Montanha, a opção pelos pobres, a crítica aos hipócritas e
aos poderosos perderiam força. A ética de amor ao inimigo e perdão poderia ter
sido substituída por uma moral de obediência e lealdade ao império. A mensagem
de Jesus seria adaptada para justificar a ordem existente, e não para
transformá-la.
4)
Impacto cultural e histórico: Sem o cristianismo como religião independente, a
história do Ocidente seria outra: Talvez não houvesse a mesma noção de
dignidade da pessoa humana, vinda da ideia de que todos são filhos de Deus. Nem
a mesma crítica ética às estruturas de poder. A cultura romana e grega teriam
dominado sem contrapeso, e conceitos como caridade universal, misericórdia e
perdão talvez não tivessem se espalhado.
Jesus e César
Que seria do Cristianismo se Jesus recorresse à proteção de César?
Possivelmente, alguns patrícios
simpáticos à nova doutrina se encarregariam da obtenção do alto favor. Legiões
de soldados viriam garantir o Messias e os amigos do Evangelho alinhar-se-iam à
força da espada, não mais de ouvidos espontâneos, mas com a atenção absorvida
na postura oficial, Pedro e João, Tiago e Felipe adotariam certas normas de
vestir, segundo os programas imperiais, e o próprio Cristo, naturalmente, não
poderia ensinar as verdades do Céu, sem prévia audiência das autoridades
convencionalistas da Terra. Provavelmente, o Mestre teria vencido exteriormente
todos os adversários e dominaria o próprio Sinédrio.
Mas... e depois?
Sem dúvida, ter-se-ia fundado
expressiva e bela organização político-religiosa, repleta de preceitos
filosóficos, severos e regeneradores. Mateus teria envergado a túnica do
escriba estilizado, enquanto Simão gozaria de honras especiais e o próprio
Jesus passaria à condição de um Marco Aurélio, cheio de austeridade e nobreza,
interessado em ensinar a justiça e a sabedoria, mas em cujo reinado se
verificariam perseguições das mais terríveis e sangrentas ao Cristianismo, sem
que as ocorrências dolorosas lhe merecessem consideração.
O Mestre, contudo, compreendia a
necessidade das organizações humanas, exemplificou o respeito à ordem política,
mas, acima de tudo, serviu ao Reino de Deus, de que era representante e
portador, neste mundo de experiências provisórias, dirigindo seu Evangelho de
Amor, não só ao homem físico, mas essencialmente ao homem espiritual.
Sabia Ele que as organizações
religiosas, propriamente ditas, existiam entre as criaturas, muito antes dos
templos de Baal. Urgia, porém, entregar aos filhos da Terra a herança do Céu,
integrá-los na doutrina viva do bem e da verdade, estabelecer caminhos entre a
sombra e a luz, aperfeiçoar caracteres, purificar sentimentos, elevar corações,
instituir a universidade do Reino de Deus e sua justiça. Entendia que a sua
obra era de semeadura, germinação, crescimento, tempo e trabalho constante.
E plantou com o seu exemplo o
Cristianismo sublime no campo da Humanidade, ensinando o acatamento a César,
cooperando no aperfeiçoamento de suas obras, mas fazendo sentir que César
constituía a autoridade respeitável no tempo, enquanto o Pai guarda o poder
divino na eternidade.
Na exemplificação do Cristo, o
Espiritismo evangélico, na sua condição de Cristianismo redivivo, deve procurar
as suas diretrizes, edificantes no terreno da nova fé. As organizações
políticas, de natureza superior, são sempre dignas e respeitáveis e todos os
seguidores do Evangelho devem honrar-lhes os programas de realização e
progresso coletivo, acatando-lhes as instituições e contribuindo para o seu
engrandecimento, na esfera evolutiva, mas não se pode exigir, da política de
ordem humana, a solução dos problemas transcendentes de ordem espiritual.
Na atualidade do mundo, o
Espiritismo é aquele Consolador prometido, enfeixando nova e bendita
oportunidade de redenção. Em seu campo doutrinário, a verdade de Deus não está
algemada, seus felizes estudantes e seguidores podem aquecer o coração ao sol
da liberdade íntima, sem obstáculos na marcha da consciência para a realização
divina.
Aos espiritistas dos tempos
novos, portanto, surgem lições vivas, que não podes relegar ao esquecimento.
O sacerdócio organizado costuma
ser o cadáver do profetismo, Oculto externo nem sempre favorece a luz da
revelação. A teologia, na maior parte das vezes, é o museu do Evangelho.
Urge, pois, em todas as
circunstâncias, não olvidar Aquele que auxiliou romanos e judeus, atendendo ao
povo e respeitando as autoridades, dando a César o que era de César e a Deus o
que é de Deus, ensinando, porém, que o seu reino ainda não é deste mundo. (Capítulo 8 do livro Coletânea do Além, pelo Espírito Emmanuel, psicografia de F. C. Xavier)