29 setembro 2025

Horizontes da Mente (Notas de Livro)

Horizontes da MenteJoão Nunes Maiapelo Espírito Miramez.

Prefácio

Um livro é um acúmulo de ideias que o escritor seleciona, por meios que muitos leitores desconhecem. Há muitas ciências ou engrenagens espirituais, cujas funções dificilmente podem ser explicadas com clareza pelo raciocínio e pela linguagem. Esta de que falamos é uma: a ciência de pensar, de escolher assuntos, de educar a mente e, para tanto, o companheiro Miramez é hábil expositor.

A compreensão do leitor, nesse sentido, irá se desabrochando com o perpassar das páginas e, na gradação do avanço, ele notará, pela sua própria razão, o que pode se dar nos horizontes da sua mente.

Horizontes da Mente é um ato de caridade cristã de uma alma para milhares delas, nos corredores do mundo terreno. Toca em pontos dificilmente comentados pelos escritores espiritualistas, com muita veemência, emprestando a quem lê a convicção de que o trabalho de reforma mental é o alicerce onde será construído o edifício da sua felicidade. Mostra que o céu é mais real dentro de nós, mas que depende de coisas e seres externos. Há livros iniciatórios que levam o leitor somente para dentro de si, de forma tal que tudo o que é exterior perde o valor para ele. E o egoísmo, nessas circunstâncias, ganha terreno, avança no coração e domina a inteligência. O separativismo floresce nos ambientes do mundo interno e, talvez, o orgulho nasça, sem que o espírito tenha meios de expulsá-lo.

19 setembro 2025

Mediunidade (Vida e Comunicação) [Resumo de Livro]

Título do livro: Mediunidade (Vida e Comunicação): Conceituação da Mediunidade e Análise Geral dos seus Problemas Atuais. O propósito desta obra é esclarecer a natureza e a função da mediunidade como faculdade humana, buscando unir ciência, filosofia e moral, evitando tanto o misticismo quanto o ceticismo materialista.

Capítulos do livro: — Conceito de Mediunidade — Mediunidade Estática — Mediunidade Dinâmica — Energia Mediúnica — O Ato Mediúnico — O Mediunismo — A Mesa e o Pão — O Vampirismo — A Moral Mediúnica — Relações Mediúnicas — Mediunidade Zoológica — Medicina Espírita — Grau da Mediunidade — Mediunidade Prática — Mediunidade e Religião — Problemas da Desobsessão.

Sobre o autor: José Herculano Pires (1914-1979) foi jornalista, filósofo e conferencista espírita — o "metro que melhor mediu Allan Kardec" —, e por isso, considerado um dos maiores pensadores espíritas do Brasil.

Sobre a natureza da mediunidade. É uma faculdade humana natural, presente em maior ou menor grau em todas as pessoas. Não é um privilégio dos bem dotados. Não depende de religião, cultura ou crença. Está ligada à estrutura do ser humano, sendo uma interligação entre os dois planos, o físico e o espiritual. Sua principal finalidade é ajudar a humanidade a progredir material e espiritualmente.  

Ao longo do livro, Herculano Pires insiste na necessidade de educar a mediunidade, ressaltando que a prática sem preparo pode gerar desequilíbrios psicológicos e espirituais. Para ele, estudo, disciplina e ética são indispensáveis. O médium deve desenvolver virtudes como humildade, responsabilidade e desapego, a fim de evitar ilusões, vaidade ou exploração indevida.

O autor também alerta contra os perigos de uma mediunidade mal conduzida, como a obsessão e a mistificação. Defende que apenas dentro da perspectiva espírita — com base nos princípios de Kardec — é possível compreender plenamente a natureza mediúnica e colocá-la a serviço do bem coletivo.

Herculano, grande conhecedor do espiritismo, reforça a ideia de que a mediunidade nada mais é do que um instrumento de aperfeiçoamento moral e espiritual, e por isso exige responsabilidade.

 

18 setembro 2025

Atenção e Concentração

A atenção e a concentração são duas atitudes relevantes para a aprendizagem e o desempenho nas diversas atividades do dia a dia. São dois processos mentais relacionados, mas não idênticos.

Atenção. Em sua acepção mais geral é a "direção especial do espírito a um objeto". É por ela que exercitamos a capacidade de selecionar, entre vários estímulos, aqueles que merecem foco no momento. Concentração. É a manutenção da atenção em um único objeto, tarefa ou pensamento por um período prolongado de tempo.

Há muitos fatores — de ordem interna e externa — que influenciam a atenção e a concentração. Internamente, temos: motivação, falta de interesse pela atividade, estado emocional... Externamente, citamos: ambiente silencioso ou barulhento, organização do espaço, estímulos visuais...

Para que possamos melhorar a atenção e concentração, devemos adotar algumas estratégias, tais como, criar um ambiente adequado (silencioso, organizado), praticar técnicas de respiração profunda, dormir bem e manter alimentação equilibrada, definir metas claras e objetivas para cada tarefa.

Em termos espirituais e mediúnicos, José Herculano Pires, no capítulo 7, de seu livro Mediunidade, diz-nos que a concentração dos pensamentos numa reunião mediúnica não corresponde ao tipo de concentração individual de uma pessoa num determinado problema a rever ou num estudo a fazer. Trata-se de uma concentração coletiva de pensamentos voltados para um mesmo alvo, por exemplo, Jesus. Nesse sentido, a concentração não deve ser forçada, mas tão logo o pensamento se desvia para outros rumos, faz-se que ele retorne suavemente à ideia centralizadora.

A capacidade de se alhear do mundo externo, isto é, de se concentrar, é o primeiro passo no processo de desenvolvimento mediúnico. Para tanto, deve o médium aguçar o interesse e o entusiasmo, fortalecendo a vontade. O estudo da Doutrina Espírita, a utilização da prece e a disposição de nunca estar ocioso aumentam sobremaneira esse poder de concentração, possibilitando o direcionamento dos pensamentos às esferas superiores do mundo espiritual.

16 setembro 2025

Jesus e César

 A relação entre Jesus e César pode ser vista:

1) Histórico-política: César simboliza o poder imperial romano, que dominava a Palestina na época de Jesus; Jesus, por outro lado, representava uma proposta espiritual e ética que não se confundia com o poder político, mas também não o ignorava; a frase “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” mostra essa distinção: reconhecer a legitimidade da ordem civil sem confundi-la com a esfera divina.

2) Teológica: O contraste entre o Reino de Deus e o reino terreno: César representa a ordem mundana, marcada por poder, impostos, hierarquia e violência; Jesus anuncia um Reino baseado em justiça, amor, humildade e serviço. Enquanto César exigia culto e lealdade absoluta, Jesus rejeita esse tipo de idolatria ao Estado, reafirmando que só Deus merece adoração plena.

3) Filosófico e ético: O dilema entre obedecer às leis humanas e seguir a consciência espiritual. O ensinamento de Jesus inspira reflexão sobre até que ponto é legítimo obedecer à autoridade civil, principalmente quando esta entra em conflito com princípios éticos superiores.

Que poderia ter acontecido se Jesus recorresse à proteção de César? 

Se Jesus tivesse aderido à Cesar em vez de manter sua missão espiritual e profética, o mundo provavelmente teria sido muito diferente. Eis alguns cenários possíveis:

1) O desaparecimento do Cristianismo como o conhecemos: Se Jesus tivesse se submetido a César, sua mensagem teria sido diluída no pragmatismo político e talvez não tivesse passado de mais um movimento religioso local, integrado ao império romano. Sem a cruz e sem a resistência à lógica do poder, dificilmente haveria a mesma inspiração para mártires e comunidades que expandiram a fé.

2) A fusão entre religião e poder já no início: Ao seguir César, Jesus teria legitimado o império romano como parte do plano divino. Isso poderia ter criado uma religião imperial desde o começo, semelhante ao culto ao imperador. O cristianismo poderia ter se tornado apenas um braço religioso do Estado, sem a força transformadora de questionar injustiças.

3) Perda da ética revolucionária: O Sermão da Montanha, a opção pelos pobres, a crítica aos hipócritas e aos poderosos perderiam força. A ética de amor ao inimigo e perdão poderia ter sido substituída por uma moral de obediência e lealdade ao império. A mensagem de Jesus seria adaptada para justificar a ordem existente, e não para transformá-la.

4) Impacto cultural e histórico: Sem o cristianismo como religião independente, a história do Ocidente seria outra: Talvez não houvesse a mesma noção de dignidade da pessoa humana, vinda da ideia de que todos são filhos de Deus. Nem a mesma crítica ética às estruturas de poder. A cultura romana e grega teriam dominado sem contrapeso, e conceitos como caridade universal, misericórdia e perdão talvez não tivessem se espalhado.

Jesus e César 

Que seria do Cristianismo se Jesus recorresse à proteção de César?

Possivelmente, alguns patrícios simpáticos à nova doutrina se encarregariam da obtenção do alto favor. Legiões de soldados viriam garantir o Messias e os amigos do Evangelho alinhar-se-iam à força da espada, não mais de ouvidos espontâneos, mas com a atenção absorvida na postura oficial, Pedro e João, Tiago e Felipe adotariam certas normas de vestir, segundo os programas imperiais, e o próprio Cristo, naturalmente, não poderia ensinar as verdades do Céu, sem prévia audiência das autoridades convencionalistas da Terra. Provavelmente, o Mestre teria vencido exteriormente todos os adversários e dominaria o próprio Sinédrio.

Mas... e depois?

Sem dúvida, ter-se-ia fundado expressiva e bela organização político-religiosa, repleta de preceitos filosóficos, severos e regeneradores. Mateus teria envergado a túnica do escriba estilizado, enquanto Simão gozaria de honras especiais e o próprio Jesus passaria à condição de um Marco Aurélio, cheio de austeridade e nobreza, interessado em ensinar a justiça e a sabedoria, mas em cujo reinado se verificariam perseguições das mais terríveis e sangrentas ao Cristianismo, sem que as ocorrências dolorosas lhe merecessem consideração.

O Mestre, contudo, compreendia a necessidade das organizações humanas, exemplificou o respeito à ordem política, mas, acima de tudo, serviu ao Reino de Deus, de que era representante e portador, neste mundo de experiências provisórias, dirigindo seu Evangelho de Amor, não só ao homem físico, mas essencialmente ao homem espiritual.

Sabia Ele que as organizações religiosas, propriamente ditas, existiam entre as criaturas, muito antes dos templos de Baal. Urgia, porém, entregar aos filhos da Terra a herança do Céu, integrá-los na doutrina viva do bem e da verdade, estabelecer caminhos entre a sombra e a luz, aperfeiçoar caracteres, purificar sentimentos, elevar corações, instituir a universidade do Reino de Deus e sua justiça. Entendia que a sua obra era de semeadura, germinação, crescimento, tempo e trabalho constante.

E plantou com o seu exemplo o Cristianismo sublime no campo da Humanidade, ensinando o acatamento a César, cooperando no aperfeiçoamento de suas obras, mas fazendo sentir que César constituía a autoridade respeitável no tempo, enquanto o Pai guarda o poder divino na eternidade.

Na exemplificação do Cristo, o Espiritismo evangélico, na sua condição de Cristianismo redivivo, deve procurar as suas diretrizes, edificantes no terreno da nova fé. As organizações políticas, de natureza superior, são sempre dignas e respeitáveis e todos os seguidores do Evangelho devem honrar-lhes os programas de realização e progresso coletivo, acatando-lhes as instituições e contribuindo para o seu engrandecimento, na esfera evolutiva, mas não se pode exigir, da política de ordem humana, a solução dos problemas transcendentes de ordem espiritual.

Na atualidade do mundo, o Espiritismo é aquele Consolador prometido, enfeixando nova e bendita oportunidade de redenção. Em seu campo doutrinário, a verdade de Deus não está algemada, seus felizes estudantes e seguidores podem aquecer o coração ao sol da liberdade íntima, sem obstáculos na marcha da consciência para a realização divina.

Aos espiritistas dos tempos novos, portanto, surgem lições vivas, que não podes relegar ao esquecimento.

O sacerdócio organizado costuma ser o cadáver do profetismo, Oculto externo nem sempre favorece a luz da revelação. A teologia, na maior parte das vezes, é o museu do Evangelho.

Urge, pois, em todas as circunstâncias, não olvidar Aquele que auxiliou romanos e judeus, atendendo ao povo e respeitando as autoridades, dando a César o que era de César e a Deus o que é de Deus, ensinando, porém, que o seu reino ainda não é deste mundo. (Capítulo 8 do livro Coletânea do Além, pelo Espírito Emmanuel, psicografia de F. C. Xavier)


08 setembro 2025

Jesus e o Jugo Romano

O ambiente em que Jesus viveu foi marcado pelo domínio romano sobre a Palestina. Esse jugo político e econômico pesava duramente sobre a Palestina [Judeia, Galileia, Samaria etc.] muito mais do que em relação a outros povos. Os judeus viam na ocupação estrangeira não apenas uma opressão material, mas também um dano espiritual, já que a nação escolhida por Deus estava submetida a um império pagão.

O jugo romano na Palestina incluía: a) Tributos expressivos:  a carga tributária era considerada pesada e injusta; b) Conquista: em 63 a.C., a região da Judeia foi incorporada ao Império Romano; c) Administração: Roma mantinha governadores, soldados, e cobradores de impostos (publicanos); c) Tensões religiosas e políticas: Para os judeus, o domínio romano era um sinal de opressão e até humilhação, já que sua esperança messiânica era a restauração do Reino de Israel.

Nesse cenário, surgiram diferentes posturas: os zelotes defendiam a resistência armada, os fariseus buscavam preservar a identidade religiosa, os saduceus preferiam a conciliação com Roma e os essênios retiravam-se da vida pública. Cada grupo expressava, à sua maneira, uma tentativa de responder à tensão entre a fé judaica e o poder imperial.

Jesus, em vez de se alinhar às correntes que pregavam a violência ou a submissão, elaborou uma dimensão mais profunda da liberdade. Na frase lapidar “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, revelou não apenas prudência política, mas sobretudo a distinção entre a autoridade temporal e a soberania divina. Para Jesus, a verdadeira libertação não consistia em expulsar os romanos, mas em transformar o coração humano e instaurar o Reino de Deus, um reino de justiça, paz e amor que ultrapassa qualquer fronteira política.

Jesus não ignorou o jugo romano. Inspirou-se na revolução espiritual que desarmava o ódio e denunciava a idolatria do poder. Essa postura, ao mesmo tempo submissa e libertadora, demonstrou que a liberdade plena não depende de circunstâncias externas, mas de uma fidelidade incondicional a Deus. Por isso, a mensagem de Jesus permanece atual, recordando que nenhuma opressão política pode sufocar a dignidade e a esperança daqueles que se abrem ao Reino.

 

06 setembro 2025

Dai a César o que é de César

Dai a César o que é de César” é um subtema do capítulo XI — “Amar o Próximo como a Si Mesmo”, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. Eis os demais itens: O Maior Mandamento — Instruções dos Espíritos: — A Lei de Amor — O Egoísmo — A Fé e a Caridade — Caridade com os Criminosos. Este assunto pode ser relacionado ao dinheiro, à riqueza, à autoridade, ao poder e à política.

O texto evangélico. Então, retirando-se os fariseus, projetaram entre si comprometê-lo no que falasse. E enviaram-lhe seus discípulos, juntamente com os herodianos, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és verdadeiro, e não se te dá de ninguém, porque não levas em conta a pessoa dos homens; dize-nos, pois, qual é o teu parecer: é lícito dar tributo a César ou não? Porém Jesus, conhecendo a sua malícia, disse-lhes: Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me cá a moeda do censo. E eles lhes apresentaram um dinheiro. E Jesus lhes disse: De quem é esta imagem e inscrição? Responderam-lhe eles: De César. Então lhes disse Jesus: Pois dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E quando ouviram isto, admiraram-se, e deixando-o se retiraram. (Mateus, XXII: 15-22). (Marcos, XII: 13-17).

Um esclarecimento inicial. A frase “Dai a César o que é de César” não se refere a Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.), mas sim ao imperador romano que governava no tempo de Jesus. Na época, o imperador era Tibério César (14 d.C. - 37 d.C.), sucessor de Augusto. A palavra “César” tinha se tornado um título usado pelos imperadores romanos (como mais tarde “Czar” ou “Kaiser”).

Para bem entendermos a frase proferida, devemos recuar no tempo e verificar o contexto histórico-político da época, em que o povo da Palestina estava sob o jugo romano. Jesus era um judeu, como os outros, mas tinha grupos que eram contrários ao seu pensamento: os fariseus e o herodianos. Ao ser indagado se devia pagar os impostos aos romanos, ficou numa encruzilhada: se negasse, era chamado de rebelde pelos romanos; se aceitasse, de traidor pelos judeus. O que fez? Pediu que lhe mostrasse uma moeda, na qual estava a efígie de César. Daí, disse: “Dai a César o que é de César”, e acrescentou “e a Deus o que é de Deus”.

acréscimo “e a Deus o que é de Deus” é uma frase lapidar, pois os governadores impunham o seu poder de forma arbitrária. A pregação de Jesus baseava-se na libertação do povo judeu. Por isso, respeitava o poder do momento — “dar a César o que é de César”, mas que os judeus não se esquecessem do reino dos céus, da vida espiritual, da verdadeira vida.

Em se tratando do aspecto religioso, Jesus Cristo compara o dinheiro ao deus Mamon, que compete com do Deus verdadeiro, enaltece o óbolo da viúva e profere a frase: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Seguindo os seus exemplos, os primeiros cristãos vendiam os seus bens e com o dinheiro arrecadado socorriam aos mais pobres em suas necessidades.

“A questão proposta a Jesus era motivada pela circunstância de haverem os judeus transformado em motivo de horror o pagamento do tributo exigido pelos romanos, elevando-o a problema religioso. Numeroso partido se havia formado para rejeitar o imposto. O pagamento do tributo, portanto, era para eles uma questão de irritante atualidade, sem o que, a pergunta feita a Jesus: "É lícito dar tributo a César ou não?", não teria nenhum sentido. Essa questão era uma cilada, pois, segundo a resposta, esperavam excitar contra ele as autoridades romanas ou os judeus dissidentes. Mas "Jesus, conhecendo a sua malícia", escapa à dificuldade, dando-lhes uma lição de justiça, ao dizer que dessem cada um o que lhes era devido”.

Esta máxima: "Dai a César o que é de César" não deve ser entendida de maneira restritiva e absoluta. Como todos os ensinamentos de Jesus, é um princípio geral, resumido numa forma prática e usual, e deduzido de uma circunstância particular. Esse princípio é uma consequência daquele que manda agir com os outros como quereríamos que os outros agissem conosco. Condena todo prejuízo moral e material causado aos outros, toda violação dos seus interesses, e prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja ver os seus respeitados. Estende-se ao cumprimento dos deveres contraídos para com a família, a sociedade, a autoridade, bem como para os indivíduos.

Se vivemos em sociedade devemos respeitar a lei dos homens, porém, sem jamais nos esquecermos de que Deus está no leme de tudo e de todos.

 

17 julho 2025

As Três Peneiras

Conta-se que certa vez um amigo procurou Sócrates, o célebre filósofo grego, desejando contar-lhe algo sobre a vida de outro amigo comum.

— Quero contar-te algo sobre o nosso amigo Andréas que vai deixar-te boquiaberto.

— Espera — interrompeu o filósofo — passaste o que vais dizer pelas três peneiras.

— Três peneiras? Espantou-se o interlocutor.

— Primeira peneira: a coisa que me contarás é verdade?

— Eu assim creio, pois me foi contada por alguém de confiança — diz o amigo...

— Bem! Alguém te disse... Vejamos a segunda peneira: a coisa que pretendes me contar é boa?

O outro hesitou, resfolegou e respondeu:

— Não exatamente...

Sócrates continuou sua inquirição:

— Isso começa a me esclarecer. Verifiquemos a terceira peneira, que é a prova final: o que tinhas a intenção de me contar é de utilidade tanto para mim como para o nosso amigo Andréas e para ti mesmo?

— Não, não e não.

— Então, caro amigo, disse Sócrates, a coisa que pretendias me contar não é certamente verdadeira, nem boa, nem útil; assim sendo, não tenho a intenção de conhecê-la e aconselho-te a não mais procurar veiculá-la.

A cada dia somos alvo de pessoas com grande desejo de nos contar coisas a respeito dos outros.

Devemos procurar fazer o teste das três peneiras gregas:

— É verdade? É bom? É útil?

Caso negativo, devemos simplesmente evitar que sejamos parte integrante nas bisbilhotices e nos mexericos de pessoas ávidas de “novidades” sobre a vida alheia.

 

12 julho 2025

Constantino e o Cristianismo

Em outubro de 312 d.C., o imperador Constantino I estava acampado na ponte Mílvia perto de Roma, esperando o confronto com Magêncio, seu rival, pelo controle do Império Romano do Ocidente (em 285, o império foi dividido em dois, o do Ocidente e o do Oriente, cada um deles governado por um imperador e um substituto).

A tradição evoca a ideia de que nos dias que antecederam o encontro, Constantino teve a visão da inscrição in hoc signo vinces (“com este sinal vencerás). Este fato convenceu-o de que tinha o apoio do deus cristão, e essa crença foi mantida quando seu exército se pôs em marcha para derrotar os homens de Magêncio.

A conversão de Constantino, porém, se deu lentamente; ele só foi batizado em seu leito de morte. Contudo, logo após sua vitória na Ponte Milvia, começou o processo de reabilitação e, em seguida, de exaltação do cristianismo. Em 331 d.C., ele publicou o Édito de Milão, uma proclamação que estabelecia tolerância religiosa para o cristianismo dentro do império.

Em 324, depois de se livrar do imperador do Oriente, Constantino se tornou o único governante do Império Romano e buscou usar o cristianismo como a força unificadora de seu domínio tão diverso e fracionado. 

O cristianismo, no entanto, não era uma religião única e uniforme naquela época, havendo divisões, ou cismas. Em 325, Constantino convocou o Concilio de Niceia — o primeiro concílio universal da Igreja cristã — sobretudo para resolver o cisma ariano, uma disputa teológica sobre se Jesus era da mesma substância de Deus.

Sob o imperador Teodósio I (que reinou entre 379-395), os templos e cultos pagãos foram suprimidos, a heresia virou crime e o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano.

Fonte de Consulta

O Livro da História. Tradução de Rafael Longo. São Paulo: GloboLivros, 2017.

Evangelho e Pregação

Evangelho vem do grego euangelion (eu, bom, angelion, mensagem). Toma a forma latina "evangelho" e significa, na sua origem, "boa notícia". Entende-se, também, como a Doutrina de Cristo ou cada um dos quatro livros principais do Novo Testamento.

A iluminação súbita de uma alma traz como consequência o desejo de convencer os outros a pensar de forma semelhante. Paulo de Tarso é um exemplo clássico. Certa feita, o perseguidor dos cristãos, estando a caminho de Damasco, vislumbra a presença de Jesus e fica cego. Dias depois, recupera a sua visão, entra em contato com os textos evangélicos e quer transmitir a "boa nova" aos demais. Teve uma grande decepção

A pregação evangélica exige esforços de compreensão do "eu espiritual". Os homens de vida pura e reta estão sempre prontos a plantar o bem e a justiça, enquanto os culpados têm que testemunhar no sofrimento próprio para ensinar com êxito. Além disso, tudo o que é de Deus reclama paz e reflexão profunda. Jesus ficara 30 anos na escuridão, para conviver apenas três anos conosco; João Batista meditou longo tempo no deserto, para desbravar as estradas do Salvador.

A precipitação é o grande entrave no processo de pregação dos ensinos de Cristo. A divulgação dos preceitos evangélicos assemelha-se aos mesmos cuidados que devemos ter para com uma planta pequenina. Se lhe dermos água em demasia, morre; se, insuficiente, também. Faltando-nos a preparação adequada, poderemos estar criando, na mente daqueles que nos ouvem, uma imagem deturpada das verdades cristãs. Cedo ou tarde teremos que responder por isso.

A perseverança, a paciência e a calma são as virtudes que devemos exercitar, caso não tenhamos ainda a oportunidade de difundir as verdades espirituais. É possível que não estejamos "aptos" para a missão apostólica a nós reservada. Lembremo-nos de que na casa do Pai há muitas moradas e que quando o servidor estiver pronto o trabalho aparecerá.

Esperemos, confiantemente, as determinações do Alto a nosso respeito, mantendo-nos em estudo, a fim de adquirirmos as condições necessárias para o cumprimento de nossos deveres junto à sociedade em que vivemos.

31 maio 2025

Sobre o Pão

O pão é um dos alimentos mais simples, embora possa variar nos ingredientes que o compõem e nos métodos de confecção. Contudo, há que se ressaltar os aspectos que são peculiares à sua produção, ou seja, ele é constituído de farinha amassada, fermentada, e depois levada ao forno. Aí está registrada a sua simplicidade, desde tempos remotos.

Em se tratando da religião e mesmo do Espiritismo, há que se levar em conta o pão material e o pão espiritual, o que nos leva a refletir sobre a citação evangélica: “Moisés não vos deus o pão do Céu; mas meu Pai vos dará o verdadeiro pão do Céu.” — Jesus. (João 6,32). O pão que Moisés dispensou aos hebreus, sustentava o corpo apenas por um dia, e cuja finalidade primordial é a de manter a sublime oportunidade da alma em busca do verdadeiro pão do Céu.

A respeito do pão material, urge reconhecer que quando o temos à nossa mesa não vislumbramos, de imediato, os reiterados esforços de outros irmãos nossos que propiciaram a sua fabricação, tais como aquele que arroteou a terra, o que semeou o trigo, o que manufaturou e o que transportou, além do padeiro, que o confeccionou.

Quanto ao pão divino, os Espíritos de luz nos esclarecem que devemos fazer esforços para obtê-lo. Eles não nos pedem que sejamos famosos, letrados, ou qualquer outra coisa, mas que atendamos ao chamado divino como quando Jesus, na terceira vez, disse a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas.” (João, 21,17) Ou seja, pede ao apóstolo para administrar o alimento, no sentido de atender ao bem geral, sem fugir ao trabalho de evolução.

Para ajudar a nossa compreensão, reflitamos sobre o trecho Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um imenso exército que se movimenta, ao receber a ordem de comando, espalham-se sobre toda a face da Terra. Semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos. Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos”, inscrito no prefácio de O Evangelho Segundo o Espiritismo.

21 abril 2025

Em Homenagem a Tiradentes

Mensagem: por trás do ícone Tiradentes, há uma mensagem — libertária — que invoca a secessão, a guerra contra os impostos, e a luta contra um governo centralizador.

Crime: defender a independência da colônia de Minas Gerais em relação à Coroa Portuguesa, movimento esse inspirado pela recente independência das colônias americanas. A motivação desta "revolta" é a decretação da derrama pelo governo local, uma medida que permitia a cobrança forçada de impostos atrasados, autorizando o confisco de todo o dinheiro e bens do devedor. 

Rebelião: depois da traição, os delatores, a cuja frente se encontrava a personalidade de Silvério dos Reis, português de Leiria, levaram todo o plano ao Visconde de Barbacena, então Governador de Minas Gerais. O governador age com prudência, a fim de sufocar a rebelião nas suas origens, e, expedindo informes para que o Vice-Rei Luís de Vasconcelos efetuasse a prisão do Tiradentes no Rio de Janeiro, prende todos os elementos da conspiração em Vila Rica, depois de avisar secretamente aos seus amigos do peito, simpatizantes da conjuração, quanto à adoção de tais providências, para que não fossem igualmente implicados.

Sentença: 11 homens presos.

Sentença final: D. Maria I havia comutado anteriormente as penas de morte em perpétuo degredo nas desoladas regiões africanas, com exceção do Tiradentes, que teria de morrer na forca, conservando-se o cadáver insepulto e esquartejado, para escarmento de quantos urdissem novas traições à coroa portuguesa.

Eis as explicações do Espírito Irmão X:

O mártir da inconfidência, depois de haver apreciado, angustiadamente, a defecção dos companheiros, reveste-se de supremo heroísmo. Seu coração sente uma alegria sincera pela expiação cruel que somente a ele fora reservada, já que seus irmãos de ideal continuariam na posse do sagrado tesouro da vida. As falanges de Ismael lhe cercam a alma leal e forte, inundando-a de santas consolações.

Tiradentes entrega o espírito a Deus, nos suplícios da forca, a 21 de abril de 1792. Um arrepio de aflitiva ansiedade percorre a multidão, no instante em que o seu corpo balança, pendente das traves do cadafalso, no Campo da Lampadosa.

Mas, nesse momento, Ismael recebia em seus braços carinhosos e fraternais a alma edificada do mártir.

— Irmão querido — exclama ele —, resgatas hoje os delitos cruéis que cometeste quando te ocupavas do nefando mister de inquisidor, nos tempos passados. Redimiste o pretérito obscuro e criminoso, com as lágrimas do teu sacrifício em favor da Pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores. Qual novo gênio surges, para espargir bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em todos os séculos do seu futuro. Regozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus sonhos de liberdade, porque cada um será justiçado de acordo com as suas obras. Se o Brasil se aproxima da sua maioridade como nação, ao influxo do amor divino, será o próprio Portugal quem virá trazer, até ele, todos os elementos da sua emancipação política, sem o êxito incerto das revoluções feitas à custa do sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e as viúvas na face sombria da Terra...

Um sulco luminoso desenhou-se nos espaços, à passagem das gloriosas entidades que vieram acompanhar o espírito iluminado do mártir, que não chegou a contemplar o hediondo espetáculo do esquartejamento.

Daí a alguns dias, a piedosa rainha portuguesa enlouquecia, ferida de morte na sua consciência pelos remorsos pungentes que a dilaceravam e, consoante as profecias de Ismael, daí a alguns anos era o próprio Portugal que vinha trazer, com D. João VI, a independência do Brasil, sem o êxito incerto das revoluções fratricidas, cujos resultados invariáveis são sempre a multiplicação dos sofrimentos das criaturas, dilaceradas pelas provações e pelas dores, entre as pesadas sombras da vida terrestre.

 Fonte de Consulta

XAVIER, F. C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho,  pelo Espírito Humberto de Campos. Rio de Janeiro: FEB, Copyright 1938.

Sócrates e o Irmão X

O Espírito Humberto de Campos, mais conhecido como Irmão X, disse ter encontrado Sócrates no Instituto Celeste de Pitágoras — nome convencional para figurar os centros de grandes reuniões espirituais no plano Invisível. Nesse dia, a reunião era dedicada a todos os estudiosos vindos da Terra longínqua. Depois de ouvir os sábios ensinamentos do Mestre, atreveu-se a abordá-lo.

"— Mestre — disse eu —, venho recentemente da Terra distante, para onde encontro possibilidade de mandar o vosso pensamento. Desejaríeis enviar para o mundo as vossas mensagens benevolentes e sábias?

— Seria inútil — respondeu-me bondosamente —, os homens da Terra ainda não se reconheceram a si mesmos. Ainda são cidadãos da pátria, sem serem irmãos entre si. Marcham uns contra os outros, ao som de músicas guerreiras e sob a proteção de estandartes que os desunem, aniquilando-lhes os mais nobres sentimentos de humanidade.

— Mas... — retorqui — lá no mundo há uma elite de filósofos que se sentiriam orgulhosos de vos ouvir! ...

— Mesmo entre eles as nossas verdades não seriam reconhecidas. Quase todos estão com o pensamento cristalizado no ataúde das escolas. Para todos os espíritos, o progresso reside na experiência. A História não vos fala do suicídio orgulhoso de Empédocles de Agrigento, nas lavas do Etna, para proporcionar aos seus contemporâneos a falsa impressão de sua ascensão para os céus? Quase todos os estudiosos da Terra são assim; o mal de todos é o enfatuado convencimento de sabedoria. Nossas lições valem somente como roteiro de coragem para cada um, nos grandes momentos da experiência individual, quase sempre difícil e dolorosa.

Não crucificaram, por lá, o Filho de Deus, que lhes oferecia a própria vida para que conhecessem e praticassem a Verdade? O pórtico da pitonisa de Delfos está cheio de atualidade para o mundo. Nosso projeto de difundir a felicidade na Terra só terá realização quando os Espíritos aí encarnados deixarem de ser cidadãos para serem homens conscientes de si mesmos. Os Estados e as Leis são invenções puramente humanas, justificáveis, em virtude da heterogeneidade com respeito à posição evolutiva das criaturas; mas, enquanto existirem, sobrará a certeza de que o homem não se descobriu a si mesmo, para viver a existência espontânea e feliz, em comunhão com as disposições divinas da natureza espiritual. A Humanidade está muito longe de compreender essa fraternidade no campo sociológico.

Impressionado com essas respostas, continuei a interrogá-lo:

— Apesar dos milênios decorridos, tendes a exprimir alguma reflexão aos homens, quanto à reparação do erro que cometeram, condenando-vos à morte?

— De modo algum. Méletos e outros acusadores estavam no papel que lhes competia, e a ação que provocaram contra mim nos tribunais atenienses só podia valorizar os princípios da filosofia do bem e da liberdade que as vozes do Alto me inspiravam, para que eu fosse um dos colaboradores na obra de quantos precederam, no Planeta, o pensamento e o exemplo vivo de Jesus-Cristo. Se me condenaram à morte, os meus juízes estavam igualmente condenados pela Natureza; e, até hoje, enquanto a criatura humana não se descobrir a si mesma, os seus destinos e obras serão patrimônios da dor e da morte.

— Poderíeis dizer algo sobre a obra dos vossos discípulos?

— Perfeitamente — respondeu-me o sábio ilustre —, é de lamentar as observações mal-avisadas de Xenofonte, lamentando eu, igualmente, que Platão, não obstante a sua coragem e o seu heroísmo, não haja representado fielmente a minha palavra junto dos nossos contemporâneos e dos nossos pósteros. A História admirou na sua Apologia os discursos sábios e bem feitos, mas a minha palavra não entoaria ladainhas laudatórias aos políticos da época e nem se desviaria- para as afirmações dogmáticas no terreno metafísico. Vivi com a minha verdade para morrer com ela. Louvo, todavia, a Antístenes, que falou com mais imparcialidade a meu respeito, de minha personalidade que sempre se reconheceu insuficiente. Julgáveis então que me abalançasse, nos últimos instantes da vida, a recomendações no sentido de que se pagasse um galo a Esculápio? Semelhante expressão, a mim atribuída, constitui a mais incompreensível das ironias.

— Mestre, e o mundo? — indaguei.

— O mundo atual é a semente do mundo paradisíaco do futuro. Não tenhais pressa. Mergulhando-me no labirinto da História, parece-me que as lutas de Atenas e Esparta, as glórias do Pártenon, os esplendores do século de Péricles, são acontecimentos de há poucos dias; entretanto, soldados espartanos e atenienses, censores, juízes, tribunais, monumentos políticos da cidade que foi minha pátria, estão hoje reduzidos a um punhado de cinzas!... A nossa única realidade é a vida do Espírito.

— Não vos tentaria alguma missão de amor na face do orbe terrestre, dentro dos grandes objetivos da regeneração humana?

— Nossa tarefa, para que os homens se persuadam com respeito à verdade, deve ser toda indireta. O homem terá de realizar-se interiormente pelo trabalho perseverante, sem o que todo o esforço dos mestres não passará do terreno do puro verbalismo.

E, como se estivesse concentrado em si mesmo, o grande filósofo sentenciou:

— As criaturas humanas ainda não estão preparadas para o amor e para a liberdade... Durante muitos anos, ainda, todos os discípulos da Verdade terão de morrer muitas vezes!...

E enquanto o ilustre sábio ateniense se retirava do recinto, junto de Anaxágoras, dei por terminada a preciosa e rara entrevista".

Fonte de Consulta

XAVIER, F. C. Crônicas de Além-Túmulo, pelo Espírito Humberto de Campos. Rio de Janeiro: FEB, 1937. (Capítulo 25 — “Sócrates”)