22 agosto 2015

Remorso: Notas Extraídas da Revista Espírita

FotoUma Grande Dor Moral Causada pelo Remorso 

Conversas Familiares de Além-Túmulo


O ASSASSINO LEMAIRE
Condenado à pena última pelo júri de Aisne, e executado a 31 de dezembro de 1857. 
Evocado em 29 de janeiro de 1858. 

1. Rogo a Deus Todo-Poderoso permitir ao assassino Lemaire, executado a 31 de dezembro de 1857, que venha até nós. 
Resp. – Eis-me aqui. 

2. Como pôde tão prontamente atender ao nosso apelo? 
Resp. – Raquel o disse.

3. Vendo-nos, que sensação experimentais? 
Resp. – A de vergonha. 
N. do T.: Vide O Céu e o Inferno, de Allan Kardec – Segunda Parte, capítulo VI – Criminosos arrependidos. Tendo sido evocada alguns dias antes por intermédio do mesmo médium, a senhorita Raquel apresentou-se instantaneamente. A respeito, foram-lhe feitas as seguintes perguntas: – Como é que viestes tão prontamente, no mesmo instante em que vos evocamos? Dir-se-ia que estáveis preparada. Resp. – Quando Ermance (a médium) nos chama, vimos depressa. – Tendes, pois, muita simpatia pela senhorita Ermance? Resp. – Há um laço entre ela e nós. Ela vinha a nós; nós vamos a ela. – Entretanto, não há nenhuma semelhança entre seu caráter e o vosso; como é, então, que há simpatia? Resp. – Ela jamais deixou inteiramente o mundo dos Espíritos. 

4. Como pode uma jovem, mansa como um cordeiro, servir de intermediário a um ser sanguinário como vós? 
Resp. – Deus o permite. 

5. Conservastes os sentidos até o último momento? 
Resp. – Sim. 

6. Após a execução tivestes imediata noção dessa nova existência? 
Resp. – Eu estava imerso em grande perturbação, da qual, aliás, ainda não me libertei. Senti uma dor imensa, afigurando-se-me ser o coração quem a sofria. Vi rolar não sei quê aos pés do cadafalso; vi o sangue que corria e mais pungente se me tornou minha dor. 

7. Era uma dor puramente física, análoga à que resultaria de um grande ferimento, pela amputação de um membro, por exemplo? 
Resp. – Não; figurai-vos antes um remorso, uma grande dor moral. 

8. Quando começastes a sentir essa dor? 
Resp. – Desde que fiquei livre. 

9. Mas a dor física do suplício, quem a experimentava: o corpo ou o Espírito? 
Resp. – A dor moral estava em meu Espírito, sentindo o corpo a dor física; mas o Espírito desligado também dela se ressentia. 

10. – Vistes o corpo mutilado? 
Resp. – Vi qualquer coisa de informe, à qual me parecia integrado; entretanto, reconhecia-me intacto, isto é, que eu era eu mesmo... 

11. – Que impressões vos advieram desse fato? 
Resp. – Eu sentia bastante a minha dor, estava completamente ligado a ela. 

12. - Será verdade que o corpo vive ainda alguns instantes depois da decapitação, tendo o supliciado a consciência das suas idéias? 
Resp. – O Espírito retira-se pouco a pouco; quanto mais o retêm os laços materiais, menos pronta é a separação. 

13. – Quanto tempo isso dura? 
Resp. – Mais ou menos. (Ver a resposta precedente.) 

14. – Dizem que se há notado a expressão de cólera e movimentos na fisionomia de certos supliciados, como se quisessem falar; será isso efeito de contrações nervosas, ou ato da vontade? 
Resp. – Da vontade, visto que o Espírito não se havia ainda desligado. 

15. Qual o primeiro sentimento que experimentastes ao entrar na nova existência? 
Resp. – Um sofrimento intolerável, uma espécie de remorso pungente, cuja causa ignorava. 

16. – Acaso vos achastes reunido aos vossos cúmplices concomitantemente supliciados? 
Resp. – Infelizmente, sim, por desgraça nossa, pois essa visão recíproca é um suplício contínuo, exprobrando-se uns aos outros os seus crimes. 

17. Tendes encontrado as vossas vítimas? Resp. – Vejo-as... são felizes; seus olhares perseguem-me... sinto que me varam o ser e debalde tento fugir-lhes. 

18. Que impressão vos causam esses olhares? 
Resp. – Vergonha e remorso. Ocasionei-os voluntariamente e ainda os abomino. 

19. E qual a impressão que lhes causais? 
Resp. – De piedade.

20. Terão por sua vez o ódio e o desejo de vingança? 
Resp. – Não; seus votos atraem para mim a expiação. Não podeis avaliar o suplício horrível de tudo devermos àqueles a quem odiamos. 

21. Lamentais a perda da vida corporal? 
Resp. – Apenas lamento os meus crimes. Se o fato ainda dependesse de mim, não mais sucumbiria. 

22. Como fostes conduzido à vida criminosa que levastes? 
Resp. – Compreendei! Eu me julgava forte; escolhi uma rude prova; cedi às tentações do mal. 

23. O pendor para o mal estava na vossa natureza, ou fostes também influenciado pelo meio em que vivestes? 
Resp. – Sendo um Espírito inferior, a tendência para o mal estava na minha própria natureza. Quis elevar-me rapidamente, mas pedi mais do que comportavam minhas forças. 

24. Se tivésseis recebido sãos princípios de educação, ter-vos-íeis desviado da senda criminosa? 
Resp. – Sim, mas eu havia escolhido a condição do nascimento. 

25. Acaso não vos poderíeis ter feito homem de bem? 
Resp. – Um homem fraco é incapaz tanto para o bem quanto para o mal. Poderia, talvez, corrigir na vida o mal inerente à minha natureza, mas nunca me elevar à prática do bem. 

26. Quando encarnado, acreditáveis em Deus? 
Resp. – Não. 

27. Dizem que na última hora vos arrependestes; é verdade? 
Resp. – Porque acreditei num Deus vingativo, era natural que o temesse... 

28. E agora o vosso arrependimento é mais sincero? 
Resp. – Pudera! Vejo o que fiz... 

29. Que pensais de Deus, agora? 
Resp. – Sinto-o, mas não o compreendo. 

30. Achais justo o castigo que vos infligiram na Terra? 
Resp. – Sim. 

31. Esperais obter o perdão dos vossos crimes? 
Resp. – Não sei. 

32. Como pretendeis repará-los? 
Resp. – Por novas provações, conquanto me pareça que existe uma eternidade entre elas e mim. 

33. Essas provas se cumprirão na Terra ou num outro mundo? 
Resp. – Não sei. 

34. Como podereis expiar vossas faltas passadas numa nova existência, se não lhes guardais a lembrança? 
Resp. – Delas terei a presciência. 

35. Onde vos achais agora? 
Resp. – Estou no meu sofrimento. 

36. Perguntamos qual o lugar em que vos encontrais... 
Resp. – Perto de Ermance. 

37. Estais reencarnado ou errante? 
Resp. – Errante; se estivesse reencarnado, teria esperança. Já disse: parece-me que a eternidade está entre mim e a expiação. N. do T.: Prescience (presciência) no original francês. No contexto acima, o termo mais adequado seria intuição. 

38. Uma vez que assim é, sob que forma vos veríamos, se tal nos fosse possível? 
Resp. – Ver-me-íeis sob a minha forma corpórea: a cabeça separada do tronco. 

39. Poderíeis aparecer-nos? 
Resp. – Não. Deixai-me. 

40. Poderíeis dizer-nos como vos evadistes da prisão de Montdidier? 
Resp. – Nada mais sei... é tão grande o meu sofrimento, que apenas guardo a lembrança do crime... Deixai-me. 

41. Poderíamos concorrer para vos aliviar esse sofrimento? 
Resp. – Fazei votos para que sobrevenha a expiação.

(p.81 - R.E. 1858)



Só o Remorso Faz o Espírito Culpado Compreender a Gravidade de suas Faltas 

Um Criminoso Arrependido


Durante a visita que acabamos de fazer aos espíritas de Bruxelas, deu-se o seguinte fato em nossa presença, numa reunião íntima de sete ou oito pessoas, a 13 de setembro. 

Solicitou-se a uma senhora médium que escrevesse, sem que se tivesse feito qualquer evocação especial. Assaltada por extraordinária agitação, e depois de haver rasurado violentamente o papel, escreve em caracteres muito grossos estas palavras: 

Arrependo-me! arrependo-me! Latour.” 

Surpreendidos com a inesperada comunicação, de modo algum provocada, visto que ninguém pensara nesse infeliz, cuja morte até então era ignorada por uma parte dos assistentes, dirigimos ao Espírito palavras de conforto e comiseração, fazendo-lhe em seguida esta pergunta: 

– Que motivo vos levou a manifestar-vos aqui, de preferência a outro lugar, quando não vos evocamos? 

Responde o médium de viva voz: “Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados.” (N. do T.: Vide O Céu e o Inferno, 2a parte, capítulo VI (Jacques Latour). 

Depois começou por uma cena indescritível, que não durou mais de meia hora. O médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa; às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente o seu sofrimento; o tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que ficávamos profundamente comovidos. Alguns estavam mesmo aterrorizados com a superexcitação do médium, mas sabíamos que a manifestação de um ente arrependido, que implora piedade, nenhum perigo poderia oferecer. Se ele buscou os órgãos do médium, é que melhor desejava patentear a sua situação, a fim de que mais nos interessássemos pela sua sorte, e não como os Espíritos obsessores e possessores, que visam apoderar-se dos médiuns para os dominar. Tal manifestação lhe fora talvez permitida não só em benefício próprio, como também para edificação dos circunstantes. 

Ei-lo a exclamar: 

“Oh! sim, piedade... muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada! – é um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem-fim!... E as minhas vítimas, ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares... 

“Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem poder fugir-lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue? Tudo aí está!... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-las sempre... sempre... impiedosamente!... O sangue inebria-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-O!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!... Acreditava-me morto, e estou vivo! Vivo para rever tudo isto! para o ver incessantemente!... Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as conseqüências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro... 

“Oh! então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, oh! meu Deus, porque também não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande e criminoso! Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor, Piedade! Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais punhaladas, me varam o coração. 

“Vós outros, que aqui estais, que me ouvis, sede bondosos, almas caritativas. Sim, eu o vejo, sei que tendes piedade de mim, não é verdade? Haveis de orar por mim... 

“Oh! eu vô-lo suplico, não me abandoneis como fiz outrora aos outros. Pedireis a Deus que me tire este horrendo espetáculo de ante os olhos, e Ele vos ouvirá porque sois bons... Imploro, orai por mim.” 

Os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Deus, disseram-lhe, não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado. Uma vez que o vosso coração não está petrificado e que lhe pedis o perdão dos vossos crimes, a sua misericórdia baixará sobre vós. Preciso é, pois, que persevereis na boa resolução de reparar o mal que fizestes. Certo, não podeis restituir às vítimas as vidas que lhes arrancastes, mas, se o impetrardes com fervor, Deus permitirá que as encontreis em uma nova encarnação, na qual lhes podereis patentear tanto devotamento quanto o mal que lhes fizestes. E quando a reparação lhe parecer suficiente, para logo entrareis na sua santa graça. Assim, a duração do vosso castigo está nas vossas mãos, dependendo de vós o abreviá-lo. Comprometemo-nos a auxiliar-vos com as nossas preces e invocar para vós a assistência dos Espíritos bons. Vamos pronunciar em vossa intenção a prece que se contém na Imitação do Evangelho, referente aos Espíritos sofredores e arrependidos. Não pronunciaremos a que se refere aos Espíritos maus, porque desde que vos arrependeis, que implorais, que renunciais ao mal, não passais para nós de um Espírito infeliz e não mau. 

Feita essa prece, o Espírito continua, depois de breves instantes de calma: 

“Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos Espíritos bons para me sustentarem... Obrigado...” 

Depois desta cena o médium fica alquebrado, abatido, os membros lassos por algum tempo. A princípio, apenas tem vaga ideia do que se há passado, mas pouco a pouco vai-se lembrando de algumas das palavras que pronunciou sem querer, reconhecendo que não era ele quem falara. 

No dia seguinte, em nova reunião, o Espírito tornou a manifestar-se, reencetando a cena da véspera, porém por minutos apenas, e isso com a mesma gesticulação expressiva, posto que menos violenta. Depois, tomado de agitação febril, escreveu: 

“Grato às vossas preces. Experimento já uma sensível melhora. Foi tal o fervor com que orei, que Deus me concedeu um momentâneo alívio; não obstante, terei de ver ainda as minhas vítimas... Ei-las! Ei-las! Vedes este sangue?...” (Repetiu-se a prece da véspera. O Espírito continua dirigindo-se ao médium.) 

“Perdoai o ter-me apossado de vós. Obrigado pelo alívio que proporcionais aos meus sofrimentos. Perdoai o mal que vos causei, mas eu tenho necessidade de me comunicar, e só vós o podeis... 

“Obrigado! obrigado! Já sinto algum alívio, posto não tenha atingido o fim das provações. As minhas vítimas voltarão dentro em breve. Eis a punição a que fiz jus, mas Deus meu, sede indulgente. 

“Orai todos vós por mim, tende piedade.” 

Latour

(p.309 - R.E. 1864)


A comunicação seguinte, do mesmo Espírito, foi obtida espontaneamente em Bruxelas, pela Sra. C..., o mesmo médium que havia servido de instrumento à cena relatada no número de outubro.

“Nada mais receeis de mim; estou mais tranqüilo, embora ainda padeça. Vendo o meu arrependimento, Deus teve compaixão de mim. Agora sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a enormidade dos meus crimes. Bem aconselhado na vida, eu não teria jamais praticado todo esse mal, mas, sem repressão, obedeci cegamente aos meus instintos. Se todos os homens pensassem mais em Deus, ou, antes, se nele acreditassem, tais faltas não seriam cometidas.

Falha é, porém, a justiça dos homens; uma falta muita vez passageira leva o homem ao cárcere, que não deixa de ser um foco de perversão. Daí sai ele completamente corrompido pelos maus exemplos e conselhos. Dado porém que a sua índole seja boa e forte para se não corromper, ainda assim, de lá saído, ele vai encontrar fechadas todas as portas, retraídas todas as mãos, indiferentes todos os corações! Que lhes resta pois? O desprezo, a miséria, o abandono e o desespero, se é que o assistem boas resoluções de se corrigir. Então a miséria o leva aos extremos, e assim é que também ele se toma de desprezo por seu semelhante, assim é que o odeia e perde a noção do bem e do mal, por isso que repelido se encontra, a despeito das suas boas intenções. Para angariar o necessário, rouba, mata às vezes, e depois... depois o executam! Meu Deus, ao ser presa novamente das minhas alucinações, sinto que a vossa mão se estende por sobre mim; sinto que a vossa bondade me envolve e protege.

“Obrigado, meu Deus! na próxima existência empregarei toda a minha inteligência no socorro aos desgraçados que sucumbiram, a fim de os preservar da queda. Obrigado a vós que não desdenhais de comunicar comigo; nada receeis, pois bem o vedes, eu não sou mau. Quando pensardes em mim, não vos figureis o meu retrato pelo que de mim vistes, mas o de uma alma angustiada que agradece a vossa indulgência.

“Adeus; evocai-me ainda e orai a Deus por mim.” 


Latour

 (p.333 - R.E. 1864)

III. O remorso me persegue; sofro muito, mas compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se pode tornar pura depois de transformada ao contato do fogo.

Os Espíritos bons me dizem que espere, e eu espero; que ore, e orei; mas preciso de um amigo que me dê a mão para me sustentar e me impedir de sucumbir sob o meu fardo, que é muito pesado. Sê para mim esse irmão caridoso, esse amigo devotado. Escutarei teus conselhos; orarei contigo; prosternar-me-ei contigo aos pés do Eterno.

Quantas vezes vi minha espada tinta do sangue de um de meus irmãos! Fui implacável em minhas vinganças, e quando o aguilhão da carne, a vaidade e o desejo de triunfar sobre os meus rivais me exaltavam, eu precisava da vitória a qualquer preço. Triste vitória! manchada pelas mais baixas paixões. Era cruel quando meu orgulho estava excitado; sim, fui um grande culpado, mas quero tornar-me um filho do Senhor. Por isto vim dizer-te: Sê meu irmão para me ajudar a purificar-me. Irmãos, oremos juntos.

IV. Obrigado, obrigado, irmão. Estou sob a impressão das palavras que acabas de pronunciar. Estou mais forte; vejo o objetivo e, sem tentar medir a distância que dele me separa, digo com os meus botões: Chegarei, porque quero, e tenho confiança nos Espíritos bons, que me dizem que espere. Na Terra jamais duvidei do sucesso, quando fazia o mal; como poderei duvidar, quando hoje quero fazer o bem?

Obrigado, irmão, por tua caridade, por tuas boas preces, por teus ensinamentos, pois deles tiro minha força e sinto crescer o meu arrependimento. Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse tratamento não durará mais que um tempo e que a felicidade me espera após a depuração. Quero, então, sofrer, sofrer muito, para merecer ser feliz mais rapidamente dessa felicidade que gozam os Espíritos radiantes, que vejo perto de ti.

Até breve, irmão, pois vejo que tens um outro Espírito sofredor para consolar e fortalecer em seu arrependimento. Pensa em mim; em tua prece da noite estarei junto de ti.

(p.382 - R.E. 1864)


CONSIDERAÇÕES GERAIS


É evidente que esse Espírito está no bom caminho, há nele uma luta de bom augúrio, pois só pede para ser esclarecido.

Entretanto, suas idéias se ressentem de certos preconceitos. Como muita gente que neles imaginam encontrar uma desculpa, ele se prende à sociedade. Mas, o que é que torna má a sociedade, senão as pessoas viciosas? Sem dúvida a sociedade deixa muito a desejar, no que diz respeito às instituições; mas desde que nela se encontram criaturas honestas, cumpridoras de seus deveres, todos poderiam fazer o mesmo, já que ela não força ninguém a fazer o mal. Era a sociedade que obrigava Louis-Henri a abandonar aquela mulher e seu filho? Se não reconheceu este, por que o perdeu de vista, sem se inquietar com sua existência? Foram os preconceitos sociais que o impediram de dar seu nome àquela mulher? Não, porque tinha como móvel apenas suas paixões. Era a instrução que lhe faltava? Não, pois pertencia à classe alta. A sociedade não é culpada para com ele; ela nada lhe recusou, já que em tudo o favorecera. Ele, pois, é que foi culpado para com a sociedade, porque agiu livremente, voluntariamente e com conhecimento de causa. Quem lançou seu filho no caminho dos excessos? O acaso? Não: a Providência, a fim de que o remorso, que mais tarde experimentaria, servisse ao seu adiantamento.

A verdadeira chaga da sociedade, a causa primeira de todas as desordens, é a incredulidade. A negação do princípio espiritual, a crença no nada depois da morte, as idéias materialistas, numa palavra, altamente preconizadas por homens influentes, infiltram-se na juventude, que as suga, por assim dizer, com o leite. O homem que só acredita no presente quer gozar a qualquer preço e é conseqüente consigo mesmo, pois nada espera além da tumba; como não espera nada, nada teme. Se Louis-Henri tivesse tido fé em sua alma e no futuro, teria compreendido que a vida corporal é fugidia e precária e dela não teria feito o seu único objetivo; sabendo que nada do que aqui se adquire é perdido, ter-se-ia preocupado com sua sorte futura, ao passo que agiu como alguém que dissipa o capital e joga sua última carta.

Quantas desordens, quantas misérias, quantos crimes têm sua fonte nesta maneira de encarar a vida! Quais os primeiros culpados? Os que a erigem em dogma, em crença, zombando e tratando como loucos os que acreditam que nem tudo está na matéria e no mundo visível. Louis-Henri não foi bastante forte para resistir a essa corrente de idéias; sucumbiu, vítima de suas paixões, que encontravam uma justificação no materialismo, ao passo que uma fé sólida e raciocinada lhe teria posto um freio mais poderoso que todas as leis repressivas, incapazes de alcançar todos as ações más. O Espiritismo dá esta fé, razão por que opera tão numerosas transformações morais.

As três últimas comunicações confirmam a primeira, obtida por outro médium; evidentemente, o cerne do pensamento é o mesmo. Aí se nota o progresso operado nesse Espírito, e nela podemos colher mais de um ensinamento.

Na primeira, fazendo a confissão de suas faltas, ainda não há arrependimento sério, nem resolução tomada; quase protesta por ter sido evocado.

Na segunda, diz: “Como sofro desde que fui evocado por vosso presidente!”. Estas palavras justificariam o dito de certas pessoas, que pretendem que os mortos são perturbados quando se os evoca? Não, certamente; primeiro, porque só vêm quando lhes convém; em segundo lugar porque, em sua maioria, testemunham satisfação por serem chamados, quando o são por um sentimento simpático e benevolente. Certos culpados só vêm com repugnância e, neste caso, não são constrangidos pela evocação, mas por Espíritos superiores, tendo em vista o seu adiantamento. Sua repugnância é a do criminoso conduzido a um tribunal. A evocação dos Espíritos culpados, tendo como objetivo e resultado a sua melhora, a contrariedade momentânea que lhes causa é vantajosa para eles, porquanto, ao excitá-los ao arrependimento, abreviam os sofrimentos que suportam no mundo dos Espíritos. Seria, então, mais caridoso deixá-los apodrecer na abjeção em que se acham, do que dali os tirar? O sofrimento que disso resulta é semelhante ao que o médico faz passar o doente, para o curar. Tirai da lama um homem embrutecido: ele protestará. Dá-se o mesmo com os Espíritos.

Nas comunicações desse Espírito encontra-se um pensamento análogo ao que exprimia Latour sobre o sofrimento causado pelo arrependimento. Explicamos a causa desse sentimento (número de novembro de 1864); é o mesmo que levou este a dizer: “Sofro desde que fui evocado, e o remorso me persegue; sofro muito.” É, pois, o remorso que o faz sofrer, mas é esse remorso que o deve salvar, e foi a evocação que o provocou. Mas ele acrescenta estas palavras notáveis: “Compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se torna pura depois de transformada ao contato do fogo.” E mais adiante: “Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse sofrimento apenas durará um tempo, e que a felicidade me aguarda após a depuração.” Esta certeza o faz dizer: “Quero sofrer, sofrer muito, para mais depressa ser feliz.” Depois disto, é de admirar que um Espírito escolha terríveis provações em nova existência? Não está no caso de um doente que se resigna a uma operação dolorosa para ficar bom? ou no de um homem que se expõe a todos os perigos, que suporta todas as misérias, todas as fadigas e todas as DEZEMBRO DE 1864 519 privações, com vistas a adquirir a fortuna ou a glória? Nada há, pois, de irracional, no princípio da livre escolha das provas da vida. Para aproveitá-la, a condição não é recuar. Ora, é recuar não as suportar com coragem e resignação.

Qual será a sorte de Louis-Henri numa nova existência? Como expiou cruelmente suas faltas em sua última existência, e como no estado de Espírito é sincero o seu arrependimento e sérias as suas boas resoluções, é provável que seja posto em condições de reparar os erros, fazendo o bem. Mas como pagou sua dívida de sofrimentos corporais, não terá mais de passar pelas mesmas vicissitudes.

É o que lhe auguramos e, por isso, oramos por ele.

(p. 384 - R.E. 1864)


Estudo Moral sobre a Força do Remorso

Jean Ryzak – A Força do Remorso


ESTUDO MORAL

Escrevem de Winschoten, em 2 de maio de 1867, ao Journal de Bruxelles

Sábado passado, um operário cavouqueiro de nossa comuna apresentou-se à casa do guarda rural, onde intimou esse funcionário a prendê-lo e o entregar à justiça, diante da qual, dizia, deveria fazer a confissão de um crime por ele cometido há vários anos. Levado à presença do burgomestre, esse operário, que declarou chamar-se J. Ryzak, fez o seguinte relato:

“Há cerca de doze anos eu era empregado nos trabalhos de dessecamento do lago de Harlem, quando um dia o cabo, pagando a minha quinzena, entregou-me o soldo devido a um de meus camaradas, com ordem de o entregar a este último. Gastei o dinheiro e, querendo evitar os dissabores das investigações, resolvi matar o amigo a quem acabava de roubar. Para isto, precipitei-o num dos abismos do lago, mas, vendo-o voltar à superfície e fazer esforços para nadar para a margem, dei-lhe duas facadas na nuca.

Tão logo cometi o crime, comecei a sentir remorso. Em breve tornou-se intolerável e foi-me impossível continuar no trabalho. Comecei por fugir do teatro do meu crime, e não achando em parte alguma do país nem paz nem trégua, embarquei para as Índias, onde me engajei no exército colonial. Mas lá, também, o espectro de minha vítima perseguiu-me noite e dia; minhas torturas eram incessantes e inauditas e, assim que terminou o meu tempo de serviço, uma força irresistível impeliu-me a voltar a Winschoten e a pedir à justiça o apaziguamento de minha consciência. Ela mo dará, impondo-me a expiação que julgar conveniente. E se ordenar que eu morra, prefiro este suplício à tortura que me faz experimentar, há doze anos, a toda hora do dia e da noite, o carrasco que trago no peito.” 

Após esta declaração, e certificando-se de que o homem que estava à sua frente era são de espírito, o burgomestre requisitou a polícia, que prendeu Ryzak e relatou imediatamente o fato ao oficial de justiça.

Aqui se aguarda com emoção os desdobramentos que poderá ter este estranho acontecimento.


INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS SOBRE ESTE CASO


(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 – Médium: Srta. Lateltin)

Como sabeis, cada ser tem a liberdade do bem e do mal, o que chamais de livre-arbítrio. O homem tem em si a consciência, que o adverte quando fez bem ou fez mal, cometeu uma má ação ou descurou de fazer o bem; sua consciência que, como guardiã vigilante, encarregada de velar por ele, aprova ou desaprova sua conduta. Muitas vezes acontece que se mostre rebelde à sua voz, que repila suas inspirações; quer sufocá-la pelo esquecimento; mas jamais ela é completamente aniquilada para que, num dado momento, não desperte mais forte e mais poderosa e não exerça um severo controle de vossas ações.

A consciência produz dois efeitos diferentes: a satisfação de ter agido bem, a paz que deixa a consciência do dever cumprido, e o remorso que penetra e tortura quando se praticou uma ação reprovada por Deus, pelos homens ou pela honra. É, propriamente falando, o senso moral. O remorso é como uma serpente de mil voltas, que circula em redor do coração e o destrói; é o remorso que sempre faz ouvir as mesmas inflexões e vos grita: Fizeste uma ação má; deverás ser punido; teu castigo só cessará depois da reparação. E quando, a este suplício de uma consciência atormentada, vem juntar-se a visão constante da vítima, da pessoa a quem se fez o mal; quando, sem repouso nem trégua, sua presença exprobra ao culpado sua conduta indigna, repetindo-lhe incessantemente que sofrerá enquanto não tiver expiado e reparado o mal que fez, o suplício se torna intolerável. É então que, para pôr fim às suas torturas, seu orgulho se dobra e ele confessa seus crimes. O mal traz em si a sua pena, pelo remorso que deixa e pelos reproches feitos pela só presença daqueles contra os quais se agiu mal.

Crede-me, escutai sempre essa voz que vos adverte quando estais prestes a falir; não a sufoqueis pela revolta do vosso orgulho; e se falirdes, apressai-vos em reparar o mal, sem o que o remorso será a vossa punição. Quanto mais vos demorardes, mais penosa será a reparação e mais prolongado o suplício. 


Um Espírito
(p.245 - R.E. 1867)

A Tortura do Remorso pela Prática de Ação Reprovada por Deus 

(Mesma sessão – Médium: Sra. B...)

Hoje tendes um exemplo notável da punição que sofrem, mesmo na Terra, os que se tornaram culpados de uma ação má. Não é somente no mundo invisível que a visão da vítima vem atormentar o assassino para o forçar ao arrependimento; lá onde a justiça dos homens não começou a expiação, a justiça divina faz começar, à revelia de todos, o mais lento e o mais terrível dos suplícios, o mais temível castigo.

Há certas pessoas que dizem que a punição infligida ao criminoso no mundo dos Espíritos, e que consiste na visão contínua de seu crime, não pode ser muito eficaz, e que em nenhum caso não é esta punição que, por si só, determina o arrependimento. Dizem que um naturalmente perverso, como é um criminoso, não pode senão amargurar-se cada vez mais por essa visão, e assim se tornando pior. Os que assim falam não fazem idéia do que pode tornar-se um tal castigo; não sabem quanto é cruel esse espetáculo contínuo de uma ação que jamais se queria haver REVISTA ESPÍRITA 338 cometido. Certamente vemos alguns criminosos empedernidos, mas muitas vezes é só por orgulho e por quererem parecer mais fortes que a mão que os castiga; é para fazer crer que não se deixam abater pela visão de imagens vãs; mas essa falsa coragem não tem longa duração, pois logo os vemos fraquejar em presença desse suplício, que deve muito de seus efeitos à sua lentidão e persistência. Não há orgulho que possa resistir a esta ação, semelhante à da gota d’água sobre a rocha; por mais dura que possa ser a pedra, é inevitavelmente atacada, desagregada, reduzida a pó. É assim que o orgulho, que faz com que esses infelizes se obstinem contra seu soberano senhor, mais cedo ou mais tarde é abatido, e que o arrependimento, enfim, pode ter acesso à sua alma. Como sabem que a origem de seus sofrimentos está em sua falta, pedem para repará-la, a fim de trazer um abrandamento a seus males.

Aos que pudessem duvidar, não tendes senão que citar o fato que vos foi assinalado esta noite; ali não é só a hipótese, não é mais o só ensinamento dos Espíritos, mas um exemplo de certo modo palpável, que se vos apresenta. Nesse exemplo, o castigo seguiu de perto a falta e foi tal que, ao cabo de vários anos, forçou o culpado a pedir a expiação de seu crime à justiça humana, e ele mesmo disse que todas as penas, a própria morte, lhe pareceriam menos cruéis do que aquilo que sofria, no momento em que se entregou à justiça. 

Um Espírito

Observação – Sem ir buscar aplicações do remorso nos grandes criminosos, que são exceções na sociedade, nós as encontramos nas mais ordinárias circunstâncias da vida. É esse sentimento que leva todo indivíduo a afastar-se daqueles contra os quais sente que tem censuras a se fazer; em presença deles sente-se mal; se a falta não for conhecida, ele teme ser adivinhado; parecelhe que um olhar pode penetrar o fundo de sua consciência; vê em toda palavra, em todo gesto uma alusão à sua pessoa, razão por que, desde que se sente desmascarado, retira-se. O ingrato também foge de seu benfeitor, já que sua visão é uma censura incessante, da qual em vão procura desembaraçar-se, pois uma voz íntima lhe grita no fundo da consciência que ele é culpado.

Se o remorso já é um suplício na Terra, quão maior não será esse suplício no mundo dos Espíritos, onde não é possível subtrair-se à vista daqueles a quem se ofendeu! Felizes os que, tendo reparado já nesta vida, poderão sem receio enfrentar todos os olhares no mundo onde nada é oculto.

O remorso é uma conseqüência do desenvolvimento do senso moral; não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorsos as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso, assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.



(p.246 - R.E. 1867)

Não Existe Orgulho que Resista Eternamente ao Suplício do Remorso (p.247 - R.E. 1867)

O Remorso é uma Consequência do Desenvolvimento do Sentido Moral (p.248 - R.E. 1867)

Remorso e Arrependimento - Dissertação Espírita 

Estou contente por ver que vos reunis pela mesma fé e pelo amor de Deus Todo-Poderoso, nosso divino Senhor. Possa ele guiar-vos sempre no bom caminho e cumular-vos com seus benefícios, o que fará se vos tornardes dignos.

Amai-vos sempre uns aos outros, como irmãos; prestai-vos mútuo auxílio, e que o amor do próximo não vos seja uma palavra vazia de sentido.

Lembrai-vos de que a caridade é a mais bela das virtudes, e que, de todas, é a mais agradável a Deus; não só dessa caridade que dá um óbolo aos infelizes, mas a que vos leva a ter compaixão das misérias de nossos irmãos; que vos faz partilhar suas dores morais, aliviar o fardo que os oprime, a fim de lhes tornar a dor menos viva e a vida mais fácil.

Recordai-vos de que o arrependimento sincero obtém o perdão de todas as faltas, tamanha é a bondade de Deus. O remorso nada tem em comum com o arrependimento; o remorso, meus irmãos, já é o prelúdio do castigo. O arrependimento, a caridade, a fé, vos conduzirão às felicidades reservadas aos Espíritos bons.

Ides ouvir a palavra de um Espírito superior, bem-amado de Deus. Recolhei-vos e abri o coração às lições que ele vos dará. 

Um Anjo-da-Guarda 

(p.166 - R.E. 1860)













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