Título: Vocabulário Teológico para a América Latina
Autor:
J. L. Idígoras
São Paulo: Paulinas, 1983.
Beleza
A beleza é uma das propriedades fundamentais do
ser, de todo ser, através da qual ele manifesta uma harmonia e um esplendor
que suscitam os sentimentos que chamamos "estéticos" no ser humano.
São sentimentos indefiníveis que elevou o espírito e levam-no a compreender e
captar vivencialmente a realidade sensível, em uma profundidade transcendente.
A Bíblia trata muito sumariamente do mundo da beleza de modo formal e reflexo. Ocorre que a beleza se encontra no campo sensorial do imediato, ao passo que a religião busca a transcendência. Isso não significa que se negue a estreita relação que, de fato, existe entre o religioso e o artístico.
Mas, na medida em que a paixão pela transcendência
predomina na religião, todo o sensível passa para segundo plano. Isso não
significa que não apareça na Bíblia a dimensão da beleza. O primeiro poema de
Adão diante de sua esposa, sem dúvida, é inspirado pelo sentimento de beleza.
Sara e Rebeca são apresentadas como mulheres de beleza excepcional, que
cativavam os homens onde quer que fossem.
A mentalidade religiosa tende a ver na beleza,
sobretudo a beleza feminina, um fator de tentação para desviar o homem de sua missão. Sansão é
seduzido e traído pela esposa a quem ama (Jz 16,15). Betsabeia arrasta Davi
para o adultério e o crime.
O Novo
Testamento dá tanta
importância à mensagem da conversão interior que pouco se fixa na beleza
exterior das coisas. E isso a ponto de nem sequer ter nos deixado indicações
sobre os traços da pessoa de Cristo. Maria é apresentada como "cheia de
graça", mas certamente se trata muito mais da beleza da alma do que da
beleza corporal. (Lc 1, 28-29)
Durante muito tempo, a preocupação do cristianismo e de sua pregação não foi tanto a de exaltar a
beleza humana, mas muito mais de impedir que um culto sensual à beleza corporal
viesse desvirtuar a beleza interior do espírito. Ao contrário do culto pagão à
beleza feminina, que subordinava a virtude e a honradez à aparência exterior, a beleza cristã é
a beleza da pessoa como um todo, do amor, da gratidão e do heroísmo refletidos
na beleza do corpo.
No plano da beleza
artística, o cristianismo
incentivou as belas-artes desde o início. Catedrais, imagens, pinturas. A
vivência cristã tem sido uma fonte de irradiação de criatividade artística,
através da qual o espírito pode, plasmar-se em símbolos visíveis, portadores da
luz espiritual da beleza.
Também é preciso que nos esforcemos para que, as expressões artísticas correspondam ao genuíno
modo de ser de nossos povos.
Dois perigos: 1) excesso de arte importada; 2) valorizar só o que é nacional e
local.
Consciência
(moral)
Em sentido amplo, entende-se por
"consciência" a capacidade de perceber as realidades internas e
externas. É o fluxo interior em constante movimento, que constitui nosso campo
de conhecimentos, sensações, afetos e emoções. O que nos interessa aqui é a consciência em
seu sentido moral, isto é, como capacidade do homem de avaliar
interiormente o que há de bom ou de mau em suas ações. O sentido de
"consciência" não é o mesmo que o de "lei". A lei sempre
expressa as normas gerais de conduta. A consciência, ao contrário, é a luz
concreta que ilumina o homem em seu "aqui e agora" sobre o que há de
bom ou de mau em uma ação. Costuma acompanhar-se de uma deliberação, através da
qual se estabelece um imperativo: "faça isto" ou "não o faça".
Também se entende por "consciência" o ditame posterior à ação, que
aprova o fato com complacência interior ou o reprova com intranquilidade e
tristeza. A consciência reveste-se de uma importância fundamental para toda a
vida moral e para o livre desenvolvimento do homem até o seu fim.
A consciência possui uma dimensão inata à medida
que a luz da razão tende a apontar as normas da ação, e impele-nos para o bem e
afasta-nos do mal. Mas a educação também exerce influência decisiva na
criação dos modelos concretos de bem e no desenvolvimento dos sentimentos de
aprovação ou rejeição que acompanham nossas ações. A educação interioriza no
jovem uma imagem social que se torna normativa para ele e que se faz acompanhar
de sentimentos gratificantes quando sua conduta adapta-se ao modelo. A influência
do pai e da mãe nessa tarefa também é fundamental, mesmo quando o indivíduo se
torna capaz de formar-se e aperfeiçoar a própria consciência por meio da sua
ação livre. Uma tendência excessivamente racionalista acredita na possibilidade
da formação da consciência exclusivamente por meio das ideias, claras e nobres.
Mas a realidade nos mostra que se trata de um processo vital, no qual os
sentimentos e modelos seguidos exercem uma influência decisiva. A reta formação
da consciência constitui uma tarefa fundamental para a família e para a escola
cristãs.
Na Bíblia, a consciência costuma ser designada como
"coração". Ou seja, trata-se da dimensão exterior da lei ou das
realizações externas. No mito do paraíso já se revela o drama da consciência
humana, através da qual se realiza a liberdade. Adão e Eva deliberam
sobre a sua conduta futura. Por um lado, sentem a atração da fruta e o anseio
da autonomia que lhes é sugerido pela serpente. E agem livremente, mesmo contra
aquilo que sua consciência lhes aponta como justo. A presença posterior de Deus
e as acusações contra a conduta adotada constituem a encenação da voz da
consciência, que os acusa pela ação cometida (Gn. 3). O relato de Caim e Abel também
também dramatiza a deliberação e o sentimento da consciência intranquila após o
crime: "Por que estás irritado e por que o teu rosto está abatido? Se
estás bem disposto, não levantarias a cabeça?
Os profetas constituem uma consciência social viva na história de Israel. Diante da
falta de desenvolvimento da consciência interior do povo, a Lei se havia
tornado a expressão primeira da vontade de Deus, à qual todos tinham de se
adaptar em cada situação concreta. Mas a Lei era letra morta e, além disso,
exterior. Assim, com sua palavra ardorosa e eficaz, os profetas despertam a
consciência dos homens, ricos e pobres, sacerdotes e leigos, tendo em vista uma
justa conduta aos olhos de Deus.
Antes da vinda de Cristo, os fariseus procuraram
realizar a santidade da Lei através de uma exatidão escrupulosa. Mas,
desprezando a voz interior da consciência, que se adapta à realidade concreta,
aplicando o bem ou o mal às circunstâncias concretas, quiseram ater-se à Lei de
forma objetiva e calculada. O resultado foi a desumanização da santidade e o
abandono dos bens supremos do amor pelas insignificâncias mais meticulosas da
antiga Lei (Mt 12,1ss; 23, 13, 27-28*). Já Cristo combate
a moral exterior e codificada nos preceitos, e revela o valor íntimo da
consciência aberta para o olhar de Deus.
Paulo desenvolveu grandemente a doutrina sobre a
consciência. A moralidade não pode estar ligada à Lei, que é exterior e não é
conhecida pelos gentios. Dentro do homem está a sua consciência que lhe serve
como lei.
Em virtude da normatividade da consciência,
destaca-se a importância da reta
formação da consciência desde
a infância. Ela deve ser colocada em harmonia com Deus e a sociedade. Há,
porém, algumas deficiências na formação da consciência: utilizar o
medo e o sentimento de culpa para inculcar uma moralidade que deixa de ser
adulta à medida que está condicionada pelo medo.
O individualismo é outra deficiência na formação da
consciência cristã. Partindo-se do sujeito, pretende-se orientá-lo para a sua
própria perfeição e santidade. Mas a consciência cristã só pode ter como norma
o amor, preferencialmente pelos mais abandonados.
Deve-se evitar a crescente influência no mundo
moderno no sentido de desprezar
os valores morais. Sem uma
atitude enérgica de moral nenhum povo poderá superar a mediocridade nem o
subdesenvolvimento. O Cristianismo pretende chegar a uma moralidade adulta e
consciente. Não deve se manter pelo medo ou pela imposição, mas sim pela
convicção pessoal do bem, amado no fundo do coração.
Conflito. Pode-se operar males reais e objetivos com boas
intenções, assim como se pode realizar boas obras com más intenções. Trata-se
do conflito entre o pessoal e o social, entre a realidade e o nosso modo de
conhecê-la.
Hoje, insiste-se em que é necessário superar o casuísmo moral tendo em vista a formação da consciência. O
casuísmo se resume na exposição de casos diversos e na adequada atitude que se
deveria tomar diante deles. A solução de casos estereotipados acaba por
desprezar a pessoa.
Hoje, insiste-se na necessidade de uma dimensão comunitária para a solução dos problemas morais graves. A
tentativa de solucioná-los a partir de um enfoque simplesmente particular e
individualista implica sempre o risco de cair em uma solução unilateral e
falsa.
Dimensão espiritual de cada problema moral. A consciência moral
deve formar-se na relação direta com Deus e com a participação das luzes do
espírito. Paulo diz que o homem espiritual tem uma possibilidade nova de julgar
todas as coisas com a força de Deus (1 Cor 1, 14-16).
Problema referente ao Poder do Estado - Respeito à
liberdade de consciência. A consciência constitui um santuário pessoal, em que
cada pessoa se expande, sem coação nem repressão. O homem tem direito de ver
sua consciência respeitada, mesmo quando erra. Pode-se chamá-lo a abandonar
essa atitude ou opinião.
Deus
O homem
encontra Deus em sua experiência mais íntima,
que está sempre relacionada com Deus, mesmo quando o homem não o reconhece como
tal.
Deus é a profundidade da existência.
Pode-se dizer que Deus é aquilo que é maior do que podemos pensar. É o limite de nossa aspiração ao conhecimento,
limite para o qual sempre tendemos sem no entanto conseguir captá-lo. E Deus é
também aquilo que é maior
do que podemos amar.
Também se pode dizer que Deus é o espaço aberto que possibilita a
nossa liberdade. Sem essa
indeterminação do finito em relação ao infinito, nós não poderíamos ser
livres... Assim, Deus se faz o norte definitivo da vida cada homem, quem o
impele em todas as as suas decisões particulares e diante do qual tudo é
relativo.
Nesse sentido, todo homem tem seu deus, aquele valor supremo que é digno de todos os
sacrifícios. Mas é justamente nesse sentido que a idolatria dos homens se torna
mais patente. Na maioria dos casos, cada homem absolutiza uma porção da
realidade que corresponde ao seus desejos, fazendo-a o seu deus. Então, se
dispõe a tudo por essa realidade "sagrada". Todas as outras pessoas e
seus interesses começam a ficar subordinados ao deus escolhido. E, assim, a idolatria
torna-se fonte de todas as injustiças. Toda a história das injustiças humanas
encontra-se unida essencialmente à divinização dos ideais terrenos. Quando o
ideal humano começa a ser considerado divino, as ações dos homens começam a
girar em torno desse ideal, submetendo-se a ele. Assim, a história da
humanidade e de seus empreendimentos é uma história de seus deuses,
frequentemente falsos.
O Deus verdadeiro é precisamente aquele que supera
tudo o que é mundano, todos os interesses particulares.
Dúvida
A dúvida é um estado de ânimo que caracteriza a
indecisão entre duas ou mais responsabilidades. É um estado de incerteza que
impede que se permaneça com segurança verdade para a qual nosso espírito tende
dinamicamente. A dúvida pode ser de dois tipos: a dúvida teórica,
que é a indecisão diante dos acontecimentos ou diante da verdade especulativa;
a dúvida existencial, que é a impossibilidade de nos ligarmos com
confiança a uma pessoa. Embora as duas dúvidas estejam relacionadas, é a
segunda que afeta mais profundamente o homem e o deixa mais desamparado.
Acontece que a dúvida teórica impede a certeza, mas a existencial impede a fé,
através da qual nos relacionamos vivencialmente com os homens e com Deus e
alcançamos o sentido mais profundo da vida.
Pode-se dizer que a história do pensamento moderno
é a história da dúvida. O pensamento antigo confiava mais nas evidências imediatas que nos
são oferecidas pelos sentidos ou pela razão. A filosofia antiga começava a
pensar a partir de sua admiração diante de um cosmos harmônico. A filosofia
moderna começa a partir da dúvida, que leva em suas entranhas, uma suspeita
sobre a verdade que nos é oferecida por nossos meios de conhecimento. Por isso,
o homem antigo tinha mais confiança e vivia mais seguro de si mesmo. Apesar de
seus grandes avanços, a ciência moderna é filha da dúvida, que cria problemas,
ao passo que na Antiguidade os dados eram aceitos com uma ingênua confiança.
Acontece que a dúvida apresenta um duplo aspecto, negativo e positivo: negativo,
à medida que deixa a alma em dúvida e indecisão, gerando desse modo
inseguranças e angústia; positiva, à medida que é o ponto de partida para todo avanço científico
ou filosófico. A dúvida é a perfuradora que rompe a evidência natural e nos faz
penetrar na mina de um saber recôndito. Sem a dúvida, o homem permaneceria como
uma criança ingênua, que aceita todas as coisas sem crítica.
E o método que é impulsionado pela dúvida constante
chama-se precisamente método
crítico. Foi Descartes quem
inaugurou a filosofia moderna com sua dúvida metódica, que o levava a colocar
entre parênteses todo o seu saber, inclusive a sua fé cristã até encontrar
bases sólidas sobre as quais assentá-lo. Em princípio, ele desconfiava de todas
as evidências imediatas e suspeitava de qualquer possível engano. Na mesma
linha Kant chegou a desconfiar de que nosso
conhecimento seja capaz de captar a realidade como ela é. Na dúvida, chegou a
concluir que não conhecemos o mundo, a não ser à medida que o representamos no
computador de nossa mente que elabora os dados empíricos. Mas nada conseguimos
saber de Deus, da alma, do mundo como totalidade. Teoricamente, ficamos
condenados a um eterno duvidar ou não saber.
Dando continuidade à tarefa de suspeitar de nossos
conhecimentos, Marx colocou em dúvida o valor das ideologias
dominantes nas diversas épocas. Disse ele que, embora elas habitualmente sejam
tomadas como verdades, outra coisa não são do que manipulações mais ou menos
conscientes para a conservação de privilégios sócio-econômicos. Em muitos
casos, as leis, as normas, mitos e costumes representam apenas a imposição das
conveniências de uma classe social, que as faz passar como verdades. Nietzsche também
suspeitava radicalmente das chamadas "verdades morais". Segundo ele,
por detrás de uma evidência, muitas vezes se esconde medo da vida, a inveja
diante dos mais sábios e poderosos, a impotência para competir com os mais
corajosos. Na mesma linha, Freud fez ver que muitas das verdades que a
consciência nos apresenta escondem outras motivações subconscientes, mais
verídicas. Aquilo que considerávamos como verdade interior muitas vezes não
passava de um disfarce com que nossos impulsos libidinosos apresentavam-se
decorosamente em nossa consciência. A verdade, porém, é a que está subjacente e
se oculta.
Toda essa elaboração crítica rompeu com a segurança
e a certeza em que se apoia o homem simples da rua... Muitos homens, porém, não
são capazes de viver nessa corrente de crítica e dúvida. Por isso preferem
basear-se em evidências fornecidas pelo bom senso ou pelos hábitos culturais. A
dúvida rouba-lhes o sossego e o amor à realidade. Quando não é doentia, a
dúvida constitui a base de toda a verdadeira ciência e de todo o progresso.
A dúvida
existencial, porém, nos
interessa mais de perto. E isso porque, como dissemos, ela se opõe à fé,
que é a raiz de toda a posição cristã. A desconfiança é a dúvida sobre a
veracidade de uma pessoa. Nesse aspecto, também podemos dizer que o mundo
moderno é muito mais desconfiado do que o antigo. As relações humanas modernas,
que se dão nas grandes cidades, levam ao anonimato, à independência, à falta de
solidariedade com os outros. Cada qual confia no seu próprio dinheiro, na
previdência social, em suas próprias forças. Mais do que amizade ou confiança,
o que se procura nos outros é encontrar aliados para negócios e empreendimentos. Em vez de
se desenvolver em profundidade, as relações se desenvolvem de acordo as forças
motrizes do lucro ou do poder. Nesse clima frio que faz murchar a fé, é muito
difícil desenvolver-se a vivência cristã que se centra na fé nos homens e,
através deles, na fé em Deus.
Sendo a história de fé dos
homens, a Bíblia também é, ao mesmo tempo, a história da
sua desconfiança. Já nos primórdios da humanidade, o pecado
original nos é apresentado como fruto da desconfiança dos homens em relação a
Deus. Mais do que o amigo, Adão e Eva começam a ver em Deus um rival. Duvidam
que seus preceitos tenham sido estabelecidos com boa intenção, suspeitando que
oculta algum logro. É dessa dúvida existencial que brota o pecado (Gn 3,3-6).
Do mesmo modo, o pecado contra os homens surge da dúvida e da desconfiança. Caim duvida
de seu irmão, desconfia de sua amizade com Deus e vê nela um perigo...
O encontro dos apóstolos com Cristo também foi marcado por períodos de dúvida.
Inicialmente, surge neles uma dúvida positiva, que abre seus corações para
buscar em Cristo algo mais daquilo que aparentemente viam nele, um homem.
Diante de suas obras maravilhosas, não podem deixar de duvidar: "Que homem
é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?" (Mt 8,27). Mas, depois
que a fé cristã já havia nascido neles, quando ouvem o anúncio da cruz,
novamente são assaltados pela dúvida e sentem-se perturbados. Pedro duvida da
palavra de Jesus e o convida a mudar de caminho (Mc 8,31-33). Mas o momento em
que a dúvida os assalta de modo especial é na hora da paixão e
da cruz. Já na última ceia, duvidaram de que um deles seria um traidor (Mc
14,18-21). Depois, duvidaram ao ver a agonia de Jesus no horto e ao vê-lo
aprisionado pelos guardas. Por isso, fugiram daquele que era seu líder e a quem
haviam prometido seguir (Mc 14,50)...
A fé cristã sempre foi uma luta incessante contra a dúvida que brota do coração. E é natural que a
dúvida nos assalte. Primeiro, porque Deus é mistério, que ninguém viu nem pode
ver. Depois, porque sua revelação é misteriosa e se realiza através de
mensagens que são por vezes obscuras, distantes e difíceis. Ter fé não é deixar
de ter dúvidas, mas sim ter a força suficiente para superá-las. Para aquele que
está unido amorosamente ao Senhor, mil
dúvidas não fazem uma negação,
assim como, para aquele que está afastado afetivamente, mil razões não fazem uma adesão.
Um anseio desesperado de certeza da fé trará uma
profunda insegurança. Lutero sentia-se atormentado por mil dúvidas.
Precisamente por isso, chegou a afirmar que era necessário ter uma fé fiducial
em Deus, mesmo acima dos próprios pecados e acima das evidências contrárias que
a razão nos mostrasse. A insegurança o levava a uma confiança absoluta e cega,
na qual ele buscava a paz.
A fé em qualquer pessoa move-se sempre em um clima de risco,
pois a amizade não depende somente de nós, mas também da outra pessoa.
Em geral, podemos dizer que a fé se reanima pelo contato vivo e comprometido
com a pessoa amada.
A força do meio é muito poderosa. O pragmatismo da
sociedade, vivido como lei suprema, afasta muitas pessoas de uma mensagem
generosa e altruísta.
Há também a frieza e os maus exemplos de muitos
cristãos que torna duvidosa para muitos a verdade que o cristianismo anuncia.
Guerra
À primeira vista, a posição cristã diante desse
problema parece estar clara: a condenação absoluta da guerra e a incessante
proclamação do amor. Na história da Bíblia há diversas guerras. E mais ainda:
podemos encontrar mandamentos divinos conclamando à luta ardorosa contra os
adversários. Isso nos faz perceber que se trata de um profundo problema humano,
que não pode ser solucionado simplesmente com meros idealismos pacifistas ou
exortações em prol do amor.
A possibilidade de guerra é inerente à própria
condição humana. Para se defender ou para ampliar seus direitos ou posses, o
indivíduo entra inevitavelmente em conflito com outros indivíduos, que defendem
direitos semelhantes e contrapostos. Quando não é resolvido de modo razoável,
esse conflito costuma gerar a luta, o conflito pela força, orientado para a
obtenção dos propósitos do indivíduo às custas do vencido. No plano social, a
questão se agrava. Em certos casos, esse conflito dos homens e dos povos poderá
ser qualificado de injusto, mas em outros casos, é certamente moral, quando se
trata de defender os direitos atingidos ou impedir que os opressores explorem
os mais fracos ou pacíficos. Assim, não
é a guerra que se apresenta como injusta, mas sim a sua utilização para causas
ou objetivos de opressão.
O pacifismo, que é a renúncia por todos os meios a
toda forma de guerra atrai com frequência os cristãos e outros homens de boa
vontade. Trata-se da visão de um ideal que almejamos e que gostaríamos de
antecipar historicamente. Mas a realidade nos mostra que o pacifismo é uma meta
para a qual devemos tender ininterruptamente, mas não propriamente um plano que
se possa colocar em prática. "Se queres a paz, prepara a Guerra",
diziam os latinos. Não se pode realizar a preparação da paz sem certa previsão
da possível guerra e sem medidas de defesa contra ela.
A história de Israel que nos é narrada na
Bíblia começa precisamente com a preparação de uma guerra de libertação: o povo encontrava-se escravizado no Egito e Deus
suscitou Moisés para organizar uma saída que implicava inevitavelmente uma
guerra. Depois da saída do
Egito, Deus quis dar ao seu
povo uma pátria, que também iria ser conquistada através de uma guerra,
que agora deixa de ser defensiva para tornar-se ofensiva.
É difícil explicar o sentido dessa conquista de Canaã. Nas fontes bíblicas, ela
é apresentada como resultado da obediência ao mandamento divino (Ex 23, 25-30).
A lei prescrevia a forma como a guerra deveria ser travada, distinguindo entre
os povos distantes e aqueles que ocuparam o território da Palestina. Estes
últimos deveriam ser eliminados para que não representassem uma constante
tentação para Israel em sua missão religiosa. A missão renovadora da religião
parecia exigir esse isolamento na terra prometida.
A escatologia
também é apresentada com simbolismo da guerra.
As forças do mal presentes na história se concentrarão, em um último esforço,
para fazer triunfar sua causa. Será um momento de devastação e angústia. Mas a vitória final de Deus representará a paz
definitiva e universal entre os povos.
A luta escatológica resume e condensa toda a luta histórica a que se produz na
história entre as forças do mal e a ação do Espírito de Deus, que leva a
humanidade em direção à paz universal e eterna.
O Novo Testamento representa uma mudança de foco. O cristianismo se desliga do povo judeu, passando a ser uma vivência religiosa
autônoma, desligada de todo Estado ou cultura. A mensagem de Cristo se resume
na amor, que deve abranger todas as atividades humanas. A violência e a
opressão são condenadas como inimigos desse ideal de reconciliação. Cristo
recebeu injúrias e ataques e não utilizou violência contra seus adversários.
No entanto, embora a guerra entre os povos no
sentido material seja reprovada pelo Evangelho, o próprio Cristo é apresentado
com aquele que veio lutar contra o mal e o pecado no combate escatológico.
"Não vim trazer paz, mas a espada". O Reino sofre violência e são os
violentos que o conquistam. Cristo não prega o passivismo ou a inação. Prega
uma tarefa dura que exige uma luta árdua, mas não contra os outros e sim da pessoa contra si mesma, exigindo o cumprimento das metas difíceis do
Evangelho. Isso provoca escândalo e ruptura com amigos e parentes. A exemplo de
Cristo, o cristão deve lutar pelo Reino com um amor que exige renúncia e cruz,
ou seja, uma luta penosa consigo mesmo. Paulo descreve detalhadamente as armas
para o combate cristão (Ef 6, 10-12).
Alguns autores cristãos e não-cristãos (Gandhi, por
exemplo) procuraram dar uma interpretação "não violenta" à margem de
Jesus, proibindo toda guerra ou utilização da força, mesmo contra os
adversários injustos. Cremos que a mensagem de Jesus fala da supressão total da violência e da guerra, mas não como um preceito normativo a seguir e
sim como um ideal que deve ser perseguido em todas as ações,
sem no entanto ser alcançado nunca. A história do cristianismo está pontilhada
de guerras entre os povos. Não se pode aprová-las. Mas o cristianismo contribui para moderar e suavizar
as paixões violentas. E
considera-se que desse modo ele obtém frutos mais positivos do que com um
pacifismo absoluto. As armas nucleares e de destruição em massa, fruto da
técnica moderna, mostram ao homem moderno a grande periculosidade de qualquer
conflito armado. O cristianismo deve colocar toda paixão do Evangelho nos
apelos contra a Guerra. Mas nem por isso deve limitar-se a condenar a guerra,
pois isso significaria favorecer simplesmente aos mais inescrupulosos.
O Apocalipse concebeu esse combate como uma batalha
final e definitiva em que os poderes do mal serão destruídos (Ap. 19, 11-16). Essa batalha já se está travando - depois dela,
a paz será definitiva (Ap.
12, 7-12).
Homem:
unidade e contradição.
O homem unitário é composto de instâncias antagônicas.
O homem é um ser social, que se realiza de certa forma em inúmeros
indivíduos. Se fosse como os animais, estaria submetido à espécie. O aspecto
conflitivo do homem está em que, superando a animalidade, tornou-se pessoa e,
como tal, um fim em si mesmo, que não pode subordinar-se à espécie. Mas, ao
mesmo tempo, é um ser social que precisa regular sua vida no meio de uma grande
quantidade de pessoas, cada uma das quais também é um fim em si mesma, exigindo
respeito e veneração.
A preferência por um dos elementos dessa antítese
leva a soluções unilaterais. Observam-se, por exemplo, tendências do psicologismo, que procuram a causa de todos os problemas
humanos nas raízes internas da consciência e do inconsciente. Assim,
pretendendo-se salvar a pessoa afetada por problemas interiores, cai-se
facilmente na posição de antepô-la aos outros subordinando a ela os interesses
dos demais, que, no fundo, são iguais aos da pessoa que se torna centro da
problemática psicológica. Na verdade, os outros convertem-se em elementos que
não devem impedir a solução dos problemas particulares do sujeito principal.
As tendências
do sociologismo, ao contrário,
preocupam-se essencialmente com a construção de uma sociedade justa e bem
organizada, que supere o problema dos abusos individuais e na qual os bens
sejam distribuídos equitativamente e sem discriminações entre todos os membros
da sociedade. Tomando-se como preferencial o ponto de vista comunitário e
sociológico, cai-se facilmente na posição segundo a qual os interesses pessoais
deixam de ser um fim em si e se submetem aos interesses da sociedade. No caso
anterior, eram os outros que se convertiam em instrumentos; neste caso, é a
pessoa que passa a ser um instrumento a serviço da sociedade.
Todas as grandes concepções morais, políticas e
religiosas sempre
procuraram chegar a uma síntese desse duplo aspecto do homem: o pessoal e o
psicológico e o social e comunitário.
Alguns exemplos: a guerra, que exige a morte de pessoas pelo bem da sociedade;
a economia, que exige sacrifícios decisivos em determinada conjuntura em nome
de um futuro mais próspero, a ser usufruído pelas gerações vindouras; a
repressão da liberdade em benefício da ordem. Trata-se de todo um mundo de
conflitos, que limitam diariamente as opções concretas da pessoa, a ponto de
obrigá-la a arriscar a sua vida pessoal e única em favor da
"sociedade", no fundo, uma multidão desconhecida.
Essa contradição se agrava historicamente
nas lutas sociais e políticas, principalmente em função das desigualdades sociais.
E esses problemas agravaram-se tragicamente em virtude do egoísmo e da ambição
humana, que procuram açambarcar desmedidamente os bens e privilégios: daí a
guerra e outros desastres.
Há ainda outra divisão: trata-se do fato de que o
ser humano se nos apresenta em duas manifestações sexualmente diferentes: o homem e a mulher. Suas características psicossomáticas são
diferentes em virtude de suas missões na existência. Mas a realidade é que a
força converteu-se em lei e a mulher ficou secularmente reduzida à condição de
objeto de posse e satisfação do homem. A existência humana, que deveria ser um
encontro amoroso especialmente através dos sexos, converteu-se muitas vezes em
um conflito sexual escravizador da mulher, com as consequentes deformações masculinas.
E a própria condição humana continua pondo um desafio para o homem e a mulher
que queiram vivê-la autenticamente.
Mas as contradições não se apresentam somente entre
uma pessoa e as outras. Dentro
da própria pessoa também
se destacam tensões antagônicas que tornam a vida problemática. Uma das mais
importantes é a contradição que ocorre com os anseios mais nobres do espírito. Trata-se de uma contradição dilacerante que
converte a vida do homem em uma constante luta consigo mesmo. A vida reclama a
maior quantidade de energia psíquica seus imperiosos impulsos. Mas, como o
homem é um ser limitado, essa satisfação só pode ser alcançada às custas de
outras tendências, mais elevadas e espirituais. O ideal biológico humano não
coincide com o espiritual. Muitas vezes, um gênio cultural que contribui
decisivamente para a humanidade é um ser doente para a biologia, ao passo que a
pessoa sadia e robusta se consome em suas meras satisfações somáticas.
Frequentemente, o heroísmo das causas grandiosas exige rupturas vitais, quando
não a própria vida. Quanto mais elevada é uma meta, ela costuma ser mais árdua
e exigir sacrifícios que só podem realizar-se às custas dos desejos primários,
que habitualmente se rebelam. A multiplicidade e o antagonismo das tendências
mais íntimas do ser humano o expõem a uma luta, não contra agentes externos,
mas no seio de sua própria personalidade.
Um aspecto dessa divisão interior é a que
costuma se dar entre a razão e o coração. Há uma divergência causadora de conflitos entre a
busca fria e abstrata de uma verdade universal que se estende igualitariamente
a todos e a calorosa tendência do coração, que se volta para a pessoa concreta
e que é capaz de renunciar ao mundo pelo olhar de um amigo. Trata-se de
conflitos como os surgidos entre a concepção essencialista da verdade, com a
validade para qualquer sujeito, e a captação existencial, na qual o sujeito
torna-se o centro e a norma do conhecimento puro, que possa ser válido para qualquer
pessoa de qualquer planeta; por outro lado, procura-se a verdade do sujeito,
que compromete todo o seu ser e, portanto, é exclusivo. É a dupla dimensão das
ciências abstratas e da filosofia existencial, da moral ou da religião.
Outro aspecto da divisão humana é o colocado
pela contraposição entre teoria e práxis. Também nesse caso nos encontramos diante de duas
vertentes necessárias da mesma realidade, que levam forçosamente a uma opção
exclusiva ou parcial. Cada homem deve escolher uma dessas facetas para
realizar-se ou pelo menos dar preferência a um em detrimento da outra. Uma
coisa é o mundo do planejamento racional, e outra é o da dolorosa execução. Uma
coisa é o mundo do estudo, das leis e da ciência e outra o mundo do trabalho,
dos negócios e das lutas políticas. E viver é dar preferência a um desses
campos em detrimento do outro.
O tempo também nos coloca diante de novas
ambiguidades, que dividem os diversos homens e cada um em particular. Na medida
em que a vida não é algo realizado e presente, mas sim um fluir ininterrupto em
que o passado morre e o futuro nasce constantemente, sempre nos defrontamos com
a possibilidade de uma
atitude de defesa do presente que
se vai cristalizando no passado e de uma
atitude mais revolucionária, que se projeta para o futuro, sempre à espera do novo que destruirá o
superado e trará a plenitude. Daí, o conservadorismo e o progressismo, a
segurança do passado e a esperança do porvir. É como uma necessidade de cobrir
duas frentes diferentes, o que nunca se pode conseguir plenamente. O que obriga
a opções que limitam e estruturam a realização humana.
A essas limitações, inerentes à própria condição
humana, devemos acrescentar as
divisões que a cultura especializada moderna impõe propriamente. Diante de homens de culturas mais primitivas,
que atuam em quase todos os aspectos da realidade, a técnica moderna obriga
progressivamente a uma redução do campo de ação. É preciso escolher uma
carreira, uma profissão ou um ofício. Dentro dessa primeira restrição deve-se
delimitar um campo às vezes insignificante e sem sentido da totalidade para
conseguir fazer algo com alguma competência. Assim, o horizonte humano vai-se
estreitando, ao passo que se amplia incessantemente o campo das realidades que
vão sendo abandonadas. Em consequência disso, surge um conflito entre a extensão dos conhecimentos e da ação e a
especialização da capacidade humana:
é preciso escolher entre saber pouco de muito ou saber muito de pouco, entre a
extensão sem profundidade ou a profundidade sem extensão.
Homem:
Corpo Humano
O homem é um ser espiritual, mas ao mesmo tempo,
também é um ser corporal. A matéria que faz parte do ser humano é uma
matéria orgânica e viva, estruturada animicamente, de modo que pertence a um
gênero diferente do da matéria bruta. O homem é uma realidade corporal em que a
matéria está como que "espiritualizada" pela ação do espírito nela.
Frequentemente, o excessivo dualismo entre alma e
corpo nos levou a reduzir o corpo à matéria bruta, tornando-o origem de todas
as paixões baixas e egoísmos. Já se chegou a pensar que o corpo era a prisão onde a alma gemia prisioneira, à espera de sua libertação. Assim, no corpo
estaria um conhecimento mais ilimitado e puro, limitando a alma a uma
vinculação espacial e arrastando-a para a sensibilidade e o pecado. O pano de
fundo dessa e de outras concepções era constituído pela suposição de que a vida
cristã era uma luta constante do espírito contra o corpo.
Corpo e espírito se complementam, ou seja, há
aspectos contrapostos de uma mesma realidade que é o homem. Quando Descartes
observou claramente que a evidência primeira do homem era a sua própria
consciência ("penso, logo existo"), esqueceu-se de um elemento
essencial do pensamento, que é sempre pensamento sobre algo. Como ser pensante,
o homem encontra-se submerso em um mundo que o cerca e que se converte em
objeto permanente de seu pensamento. Nosso pensamento está incrustado em um
mundo que é o seu ambiente e a sua circunstância, algo sem o qual o pensamento
deixa de existir: eu sou eu e minha circunstância.
Pois bem, o homem realiza esse contato com o mundo
essencialmente através do corpo. O corpo
é o instrumento de percepção através
do qual o pensamento chega ao mundo e o mundo penetra na intimidade da
consciência. Por meio dos sentidos corporais, penetram na alma muitas ondas
mensageiras do mundo, que ficaria infinitamente afastado do espírito sem essa
mediação. O mundo repercute nos órgãos corporais e assim pode ser captado pela
mente, que está essencialmente unida ao orgânico. O mesmo ocorre nas relações
interpessoais. A aproximação e a comunicação entre os seres espirituais é
possível através do corpo, do rosto e da palavra.
Ao mesmo tempo, o corpo é o instrumento de auto-expressão do
espírito. O espírito necessita
manifestar em palavras e obras aquilo que conseguiu sentir em seu interior e
recriar graças ao contato com o mundo.
Ao mesmo tempo, o corpo serve de vestimenta do espírito, encobrindo seus planos íntimos e suas
realidades vergonhosas. Sem a proteção do corpo, véu do espírito, o homem se
veria desarmado, incapaz de conservar sua intimidade e resguardá-la no contato
com os outros.
Mas, embora seja como que o sacramento do espírito,
através do qual este se manifesta e atua no mundo, o corpo também é um instrumento limitado e ambíguo, que pode dificultar os anseios infinitos
próprios do espiritual.
Há concepções de que o corpo é a tentação do
espírito; nesses casos, o espírito deve lutar contra o corpo. É evidente que
uma moralidade que parte da depreciação essencial de um dos aspectos
constitutivos do homem só pode levar a uma deformação e a uma falsificação da
tarefa humana.
Falso: comparar nossas lutas morais como se fosse a
luta do espírito contra o corpo. Nossos instintos corporais (fome, sede,
libido, atividades corporais etc.) e tendências espirituais (anseio de estima,
vontade de poder, sociabilidade) sendo amorais podem ser indistintamente
dirigidos pelo homem para o bem ou para o mal.
A liberdade
humana é a verdadeira fonte da moralidade,
pois é através dela que o homem escolhe ou seleciona as diversas tendências que
brotam na consciência, procurando alcançar a sua própria satisfação.
Os conflitos entre os diversos aspectos do humano
podem e deve ser reais. Mas esses conflitos devem partir do pressuposto da valorização de todo o humano, que deve ser integrado em uma síntese total. A
mensagem cristã é uma mensagem de salvação do homem inteiro.
Homem:
Tendências Humanas
O homem não pode ser reduzido à racionalidade.
Antes de se caracterizar por essa dimensão, o homem é um ser de aspirações e
impulsos que o impelem para o mundo, a fim de conhecê-lo, dominá-lo e
desfrutá-lo. Esse mundo de impulsos e aspirações está na origem de todas as
atividades ulteriores do homem. Até mesmo o próprio conhecimento é impulsionado
por essas tendências. Como ressaltou santo Agostinho, não se conhece nada que
não se deseja previamente.
O homem
experimenta essas vivências como necessidades que se impõem e se renovam na inquietude, como uma
carência que pressiona imperiosamente no sentido da sua satisfação. Surge como
que um vazio no ser, reclamando sua satisfação e colocando em movimento todo o
organismo para alcançá-la. Cada uma dessas tendências e impulsos brota do
inconsciente, do substrato vital que está cheio de aspirações fundamentais. E
depois entra na consciência com força imperiosa e estimulante.
As tendências na libido e no gozo sexual bem como o
desejo de poder e auto-estima são visões parciais.
As tendências dos impulsos podem ser classificados
em três grupos: 1) gozo; 2) defesa do eu individual; 3) transitivas e
altruístas, que impulsionam em direção ao mundo e aos outros.
É falsa a concepção da virtude como carência de
fortes estímulos no sentido das realidades vitais. Isso seria apatia ou
indiferença, expressões de ausência de vitalidade.
Solução simplista dos conflitos. Se as tendências
se reduzem todas à libido, a solução estaria em reprimir o que se oponha a ela.
Se elas se reduzem ao desejo de domínio, então será necessário combater o que
for contrário.
Mas as tendências humanas são mais complexas.
"O homem, ao contrário do animal, cultivou uma grande quantidade de
instintos e impulsos contrapostos. O homem superior deveria ter a maior
variedade de tendências e com maior intensidade relativa." (Nietzsche)
O animal responde aos instintos; o homem, dono de
si mesmo graças à liberdade, pode manipular de certa forma essas tendências,
reprimi-las, antepor umas às outras, adiá-las ou estimulá-las. É por isso que o
homem pode ser melhor ou pior do que o animal, mas não igual a ele.
(Aristóteles)
Para que as tendências
altruístas adquiram o
valor devido ao nível pessoal, é preciso que o homem as escolha livremente, mas em meio ao conflito com outras tendências egoístas.
O homem também sente tendências que exige uma resposta religiosa. A religião não é algo que cai do céu, um
fenômeno completamente inesperado pra o homem. Se não houvesse essa aspiração
religiosa que brota do mais profundo do inconsciente vital, as respostas
religiosas seriam supérfluas e carentes de interesse.
Ideologia
Trata-se de um conceito muito utilizado na época
moderna, embora com características bem diversas. Daí a dificuldade de precisar o seu significado. Em primeiro lugar, é digno de nota a
ambivalência positiva e negativa da palavra. Ora se acentua o positivo ora o
negativo, mas o termo parece incluir sempre algo obscuro, que lhe é essencial.
Costuma-se entender por "ideologia" uma visão parcialmente estruturada da
realidade, própria de grupos sociais ou nacionais caracterizados, incluindo e
predispondo a uma ação em determinada direção.
Apresenta um elemento limitativo: o fato de não ser estritamente objetiva e
completa. Acontece que a visão científica ou filosófica da realidade se revela
muito complicada para grupos numerosos, que são incapazes de dominar vastos e
complexos setores do real. Então, a ideologia intervém para simplificar esses
dados e, agrupá-los em formas facilmente assimiláveis ao alcance de todos.
A ciência ou a filosofia sempre procuram ajustar-se
aos dados da realidade antes de mais nada. Por isso mesmo, são menos
operativas, embora exijam um esforço muito maior de captação e um constante
esforço de revisão e mudança, o que lhes dá certa instabilidade. E os
indivíduos não podem ficar esperando por uma síntese completa para começarem a
agir. Mas é desse mesmo fato que provém o caráter instrumental das ideologias. Marx estudou a ideologia dominante em nossas
sociedades, que é a ideologia burguesa: valendo-se dela, as classes dominantes
conseguiram manter a "ordem estabelecida" e impedir a mudança social.
Para Marx, a base real da mudança se encontra na dimensão econômica da
sociedade...
A psicologia
também pesquisou o campo das ideologias.
Muitas das ideias tidas como verdades incontestes na sociedade, na realidade
outra coisa não são do que projeções dos desejos inconscientes das pessoas. Não
podendo viver na insegurança, os indivíduos produzem esquemas cômodos nos quais
passam a se apoiar. O homem tende a crer naquilo que deseja e deixa-se enganar facilmente
pelos seus desejos.
Essa contraposição entre o mundo das ideologias,
instrumentalizado a serviço de causas sociais ou desejos pessoais, e o mundo da
realidade cotidiana implica uma
divisão no próprio homem, uma
espécie de ruptura entre a realidade objetiva e as ideias construídas pelos
homem a serviço de interesses sociais ou psicológicos. No mundo antigo, a
confiança na razão e a falta de crítica social faziam com que a visão humana
fosse mais segura e a aparente coincidência entre o objetivo e o subjetivo mais
indiscutível. Hoje, o pluralismo dos grupos e partidos diante de problemas
comuns leva a posições mais fanáticas, nas quais o subjetivo se desliza mais
apaixonadamente do objetivo. Hoje, o mundo inteiro se apresenta como um
confronto de ideologias, que fazem as massas vibrarem com muita paixão.
Imagens,
Culto às
As imagens sempre estiveram ligadas ao culto
religioso. E a razão é evidente. Ninguém viu nem pode ver Deus (Jo 1,18).
Assim, só podemos falar de seu mistério por meio de símbolos e imagens. Toda a
história dos homens se expressa nessa busca das imagens de Deus. A noção de imagem é diferente da noção de
ídolo. O ídolo representa sempre um termo final da veneração, ao passo que a
imagem sempre se refere a outro. O ídolo é absoluto e opaco, ao passo que a
imagem é relativa e transparente. Embora por imagem entenda-se comumente a
imagem escultórica, também há imagens pictóricas e literárias. Todas se
enquadram na noção de "imagem": expressão visível do mistério.
Ao contrário de muitos outros povos, o judaísmo, em sua Lei, proibiu o culto às
imagens. Trata-se de um texto
taxativo que se encontra no Decálogo (Ex 20, 4-6). As imagens de Deus que a
Bíblia reconhece são naturais e não artificiais: o cosmos e sobretudo o homem (Gn 1, 26-27; Sb 13, 3-5; 1 Cor 11,7). No
entanto, a Bíblia não teme as imagens de Deus: pode-se dizer que toda a Bíblia
é uma descrição imaginativa de Deus com base nas mais diversas imagens. Deus é
apresentado como oleiro, médico, visitante, pastor, rocha, vinhateiro, esposo,
pai, amigo etc. E os traços mais antropomórficos são utilizados sem temor para
enriquecer essa imagem literária de Deus.
O Novo Testamento volta a ressaltar que os homens constituem a autêntica imagem de Deus, mas entre eles e de modo primordial a figura
de Cristo. O Deus invisível não pode ser
representado, mas, sendo Cristo imagem por excelência, não seria então
representável? Rejeitar toda imagem de Cristo não representa certa negação da
encarnação? Teofanias.
Muitos autores cristãos antigos se opuseram ao culto das imagens, vendo nele o perigo da idolatria, que inundava
toda cultura pagã. E não apenas as imagens: eles viam os templos e altares como
deformação das imagens transcendentes de Deus. Observe que Jesus é visto como
pastor, pescador. Foi aí que começou a se desenvolver a teologia de que a
imagem de Cristo é a imagem viva. As imagens são apenas pobres imitações, que
nos recordam a Imagem original e nos aproximam dela. Essa concepção distingue
então entre a "latria" (adoração) devida a Deus e a veneração
relativa às imagens que se referem ao próprio Deus.
A utilização progressiva das imagens levou ao
abuso, culminando na idolatria. Os imperadores bizantinos, a partir de Leão III
(726), começaram uma campanha de destruição das imagens. A controvérsia entre
os próprios teólogos foi longa, até que o
segundo concílio de Niceia (787)
aprovou o culto a elas tributado. Útil aos ignorantes e analfabetos, as imagens
representam de forma visível os mistérios de Deus e da salvação em Cristo -
método sacramental de salvação de chegar ao invisível por
meio do visível.
Os reformadores voltaram a desencadear a
polêmica em torno das imagens.
Reconhecer que o povo se apega excessivamente às
imagens e perde a clara distinção entre o meio, a imagem, e a pessoa a que se
tributa a adoração.
Seria inútil tentar arrancar do povo as suas atuais
imagens. Trata-se muito mais de um processo de educação, para que o próprio
povo vá superando progressivamente suas etapas, alcançando condições anímicas
mais profundamente religiosas e cristãs. Os novos sinais e imagens devem
procurar uma maior personalização do homem religioso e um encontro com os
outros que seja mais interpessoal do que de massas.
Luta
de Classes
A luta entre indivíduos e entre povos é amplamente
conhecida desde a Antiguidade, mas a luta de classes é uma noção moderna. Isso
não significa que a luta de classes não existia anteriormente, mas sim que ela
ficava obscurecida por outras tensões de maior transcendência. Quem colocou a
luta de classes em primeiro plano foi o século XIX, que trouxe a aparição de um
proletariado consciente e ansioso de reivindicar seus direitos. O marxismo quis
convertê-lo de modo absoluto na única força motriz da história. Hoje, não se
trata tanto da luta entre as classes de uma nação, mas sim dos países
proletários diante dos países capitalistas e desenvolvidos.
No início, havia ódio cristão à violência marxista.
Depois, os cristãos
perceberam que a luta de classes é algo vital e
presente em toda a história moderna. Há, contudo, uma diferença fundamental
entre a concepção cristã da vida que se orienta para o amor e a concepção
marxista, que sem orienta para a luta política, eficaz e agressiva.
Lei do Antigo Testamento admitia a escravidão.
O Novo Testamento não legisla sobre a escravidão,
pois deixa de ser um código civil concreto do povo. Ele apresenta os princípios
religiosos da igualdade de todos os homens, que são valorizados por sua livre
consciência. O Novo Testamento não encara diretamente o problema das classes
sociais. Fala dela porque se dá em um ambiente de acentuadas diferenças sociais
e humanas. Cristo opta pelos pobres, os desprezados do mundo e os privilegiados
do Reino. Não pelo confronto.
Os dirigentes políticos e econômicos foram
os inimigos do Evangelho,
justamente porque temiam que Cristo abatesse suas posições de poder e de
riqueza.
Muito embora Jesus
tenha pregado o amor universal até mesmo aos inimigos de nacionalidade ou de
classe, sua atitude em relação
aos fariseus e sacerdotes, que guiavam o povo, denota certamente agressividade
e ira santa que revelam uma atitude
de luta corajosa, embora não
sangrenta.
O ideal do Sermão da Montanha permanece sempre vivo
mas não se pode pretender aplicá-lo ao pé da letra. A luta se torna invisível,
mesmo que continue internamente animada, pela "utopia" do amor
universal e irrestrito.
A história do cristianismo está muito longe
de ser uma história pacifista. Há quem
veja nisso uma traição ao Evangelho.
A atual posição dos cristãos é contestada pelo desafio marxista. Os marxistas veem toda a história como uma
luta de classes, na qual os opressores e os oprimidos se enfrentam em uma
guerra mortal. Tudo deve girar em torno dessa luta, que deve ser provocada,
estimulada e travada à custa de qualquer sacrifício. Para elas, todo desvio a
essa linha constitui uma traição. Com base nesse esquema, os marxistas muitas
vezes alcançam um grau de fanatismo e eficácia em seus seguidores que causa
grande impacto, sobretudo entre os jovens.
Sem negar a necessidade e a importância da luta de
classes, o cristianismo não
lhe reconhece o caráter de realidade absoluta e instrumento único de salvação - amor.
Para os cristãos, a luta de classes é um meio e não
o fim em si mesmo. Quando a luta se torna armada e sangrenta o cristão deve
refletir seriamente sobre os males decorrentes dessa guerra para ver se poderá
participar dela.
Hoje, o cristão tem pela frente uma árdua tarefa:
permanecer fiel a duas missões que podem parecer contraditórias entre si. Por
um lado, ele deve permanecer fiel à tarefa do desenvolvimento próprio e das
classes mais oprimidas no sentido de um mundo mais justo e fraterno.
Mística
Marxista e Mística Cristã.
O marxismo, da mesma forma que o cristianismo,
abrange dimensões muito diversas e complexas, que impedem uma comparação clara.
O marxismo, por exemplo, é uma teoria filosófica, uma doutrina econômica, uma
teoria da revolução, uma política multiforme seguida pelos regimes marxistas e
um história de fatos vinculados ao pensamento de Marx. O mesmo ocorre com o
cristianismo.
Muitos marxistas aceitam esse termo, considerando
que sua militância não se reduz a uma teoria e tampouco a uma práxis, sendo
estimulada e motivada por profundas raízes afetivas e dinamizadoras que
mobilizam todo o ser e dão um significado à vida inteira. - Aceitação do
Evangelho. (in Novo Aurélio, mística é um sentimento arraigado de
devotamento a uma ideia). Em nossos países, muitas pessoas sentem-se imperiosamente atraídas
pela mística marxista. Em
alguns casos a mística marxista é simultânea a uma rejeição aberta do
cristianismo e de toda religião, considerada alienante. Mas, em muitos outros
casos, as duas místicas parecem conviver em pessoas que se consideram ao mesmo
tempo marxistas e cristãs e que procuram explicar de várias formas a
conciliação de suas experiências de uma e de outra doutrina e suas consequentes
ideologias. Muitos desses jovens mostram um grande desconhecimento da filosofia
e da economia marxistas. Alguns pouca coisas leram de Marx. Mas vibram
misticamente com seu apelo e sentem-se "marxistas". Muitos deles
rejeitam quase todas as formas concretas de política dos regimes marxistas. E,
no entanto, a mística marxista permanece e continua estimulando essas pessoas
para a luta libertadora dos povos.
E mais ainda: muitos desses jovens e intelectuais nunca chegam
a atuar no campo concreto da luta política.
Vivem o ideal na Universidade e depois se restringem às suas atividades
profissionais. Outros não participam da tarela política.
Vejamos especialmente o caso dos que procuram conciliar ambas as
vivências místicas, a marxista e a cristã.
No longo prazo nãos se sustenta. Pode-se dizer que a tônica fundamental da
mística marxista é constituída pela meta da justiça plena e igualitária entre
todos os homens, tendo por instrumento a luta de classes, que deve superar a
trágica situação presente. E os cristãos, que a adotam, pretendem fazer
conciliar essa tônica com a mística cristã, na medida em que esta também
implica uma rejeição deste mundo submerso no pecado, com compromisso com os
pobres e abandonados e um sacrifício generoso pela justiça e o amor entre os
homens. Ouve-se falar de uma unidade inseparável e harmônica entre as vivências
cristã e marxista.
No longo prazo, muitos desses acabam por abandonar sua fé. Há dois senhores (absolutos): querem que todos
submetam a eles. Só serão conciliados pelo fanatismo. A coincidência que
pensamos: a opção em favor dos pobres diante dos opressores, a opção pelos que
nada têm contra os que têm tudo em abundância. No marxismo, trata-se de
organizar os oprimidos e estimular os seus anseios reivindicatórios para
capacitá-los assim para a vitória. Dessa forma, estamos diante de uma mística
de defesa do próprio grupo e de luta contra adversários. A mística cristã em
favor dos pobres, ao contrário, não poderia unir os pobres para a luta, mas
sim, dar significação
evangélica à própria pobreza.
Fora dessas posições mais juvenis e idealistas,
isto é, numa posição mais madura, cabe certa síntese entre a mística cristã do
altruísmo e a mística marxista da luta, desde que haja uma hierarquia afetiva e
pessoal que subordine os elementos marxistas à opção básica, em prol da posição
cristã. Crê-se hoje que todos nós temos algo de "marxista" e que não
devemos rejeitar essa condição. Trata-se muito mais de assimilá-la e dar-lhe
uma interpretação condizente com nossos princípios. Sabendo-se manter esse
difícil equilíbrio e essa primazia cristã, pode-se dizer que o cristianismo sai
enriquecido, colocando-se em condições de ir ao encontro dos homens de hoje,
angustiados com os problemas de uma luta política desesperada.
Palavra
O homem, que é um animal simbólico, praticamente
não dispõe de um símbolo mais privilegiado para a comunicação do que palavra.
No campo religioso, a palavra é o instrumento
privilegiado através do qual Deus
se comunica. Paulo: "a
letra mata, mas o Espírito comunica a vida" (2 Cor 3,6).
A Bíblia constitui a história da palavra que Dirige
a seu povo. Abraão, Moisés...
Mas a palavra de Deus apresenta-se distinta das
palavras humanas: à medida que brota de Deus, ela é normativa e modelar.
Cristo é o mensageiro divino, que revela o Pai e orienta eficazmente os homens
para a salvação (Jo 1, 14-18).
Nunca como hoje foi tão urgente a revalorização da palavra em nosso mundo. Vivemos em um mundo que, graças aos modernos
avanços da técnica, possui a capacidade de multiplicar as palavras numa
crescente inflação. Aos poucos, o conteúdo e a verdade vão se perdendo e as
palavras vão substituindo as coisas: na política, são os discursos e
promessas vazios; na economia, a crescente propaganda, que nos enche de promessas
e suscita falsas necessidades; na cultura, é uma multiplicação de mitos e
falácias que se tornam instrumentos de interesses bastardos. Hoje, vivemos afogados em dilúvios de palavras. No entanto, morremos de sede de verdade, pois as palavras não são verdade e realidade,
mas sim temas vazios, ruídos sem conteúdo nem mensagem. A sinceridade cristã
deve levar-nos a viver de acordo com o modelo de Deus, que se aproxima de nós
em Cristo, identificando com ele, na medida do possível, o nosso falar e o
nosso agir.
Pessoa
A palavra "pessoa" ao contrário dos
indivíduos das espécies animais, que se encontram essencialmente subordinados
ao bem geral do grupo, o ser humano possui uma característica peculiar, que faz
com que ele seja ao mesmo tempo — e um tanto conflitivamente — um exemplo da
espécie e um fim em si mesmo, que nunca pode ser reduzido a meio. Com efeito,
como indivíduo, o homem é um dos inúmeros exemplares da espécie humana, sendo,
consequentemente, limitado, contingente e efêmero. Assim ele se apresenta subordinado
ao bem e aos interesses da sociedade, mais vasta e abrangente. No entanto,
apesar desse condicionamento, o homem nunca pode ser tomado como um número, uma
peça da totalidade.
O elemento característico do indivíduo humano, que
o faz pessoa, está em que ele é
sempre um fim em si, que vive para si e possui um destino próprio e
intransferível. É a unidade
constituída por um ser pequeno, mortal e frágil e por valores espirituais do
eterno, do universal e do infinito.
Política
Trata-se de uma palavra ambígua,
que suscita reações diversas em diferentes pessoas. Em sentido próprio,
"política" é administração
do poder público. Nesse
sentido, exercem política os ministros e chefes de Estado, bem como seus
subordinados nos mais diversos níveis ou instâncias. Também exercem a política
nesse sentido os partidos políticos, que se organizam visando a tomada e o
exercício do poder. Nesse sentido, a política é uma tarefa sublime, pois quem
tem a suprema responsabilidade na sociedade é quem tem mais possibilidades para
realizar o bem e contribuir para o desenvolvimento dos cidadãos em todos os
aspectos. Trata-se de uma missão que tende para o universal, pois se preocupa
essencialmente com o bem comum.
No entanto, a realidade nos mostra que a política,
nesse sentido, também se reveste em muitos lugares de um sentido pejorativo. Ocorre que, como o dinheiro, o poder
também costuma corromper os que o detêm. Às vezes, os cristãos mostram um
grande desprezo pelos que detêm e acumulam poderes, da mesma forma que
desprezam os que detêm e acumulam dinheiro. E preferem se afastar de realidades
tão perigosas que chegam a tornar o homem escravo dessas paixões violentas. No
entanto, a realidade é que nem a política nem o dinheiro são maus: mau é o uso
que se faz deles. Por isso, é preciso incentivar os cristãos a aproximarem-se
da política, atuando politicamente, tendo em vista uma contribuição positiva e
eficaz para o bem comum.
Em um sentido mais amplo, entende-se às vezes por
política tudo o que se refere à vida
social e às relações e
cooperação entre os cidadãos, como organização, sindicatos, associações etc.,
bem como à constante interação dos homens em tarefas comuns.
Por fim, também se poder designar como política a forma de realizar uma tarefa com precaução,
sagacidade e táticas visando alcançar determinado objetivo. Esse costuma ser o método próprio dos que
exercem a política. Nesse sentido, chamar alguém de "político" também
costuma equivaler a chamá-lo de astuto, fingido ou insincero. E, no entanto,
nas relações entre os homens sempre se necessita de um pouco dessa tática,
sobretudo em dimensões mais amplas, onde não cabe a intimidade sincera própria
de um grupo de amigos.
Salvação
A ressonância desta palavra nos ouvidos cristãos
assume por vezes dois sentidos que se devem corrigir: 1) pretende-se que Deus
salve cada indivíduo (individualista) dos perigos que o acossam e lhe conceda a
recompensa depois da morte; 2) Acentua-se de tal modo o caráter escatológico
que parece que a ação de Deus está reservada exclusivamente para depois da
vida.
Entretanto, ao longo de toda a Bíblia, fica claro
que, antes de mais nada, o plano
salvador de Deus é plano universal.
É verdade que começa por um povo, mas o recado é para toda a humanidade.
A Salvação prometida por Deus não é exclusivamente
para "outro" mundo. A escatologia é a abertura das realidades
presentes e valiosas para um futuro que possibilite sua crescente plenitude no
encontro definitivo com Deus.
A salvação bíblica começa desenvolvendo-se a partir
dos perigos e desgraças do homem peregrino. É Abraão que recebe a promessa
salvadora. Então, o povo hebreu começa a ver na salvação a superação de sua
impotência, de seus perigos e desgraças na sua chegada à morada prometida de
Deus, a "terra prometida" que se torna símbolo da plenitude dos bens
sonhados pelo homem. A vida humana é essencialmente risco. E o risco costuma
estar ligado a fracassos e tragédias. A salvação significa a superação
cotidiana dos diversos obstáculos do caminho pela graça divina, sobretudo o
encontro, agora e para sempre, com aquele que é capaz — ele e só ele — de
preencher plenamente o coração do homem: Deus.
Toda história de Israel representa uma caminhada da
escravidão ao deserto, do deserto à guerra, da guerra ao reino, do reino à
opressão sob o domínio dos grandes impérios e depois a dispersão e o retorno ao
exílio, para lutar novamente contra a opressão cultural da Assíria.
A salvação fica ligada à ideia do Reino,
tornando-se sinônimo da paz plena e da felicidade que brotam do dom pleno de
Deus aos homens.
Ao longo dos evangelhos, Jesus é apresentado
como o Salvador por antonomásia: o seu nome é Salvador (Mt 1,21; Lc 2,11; 3, 2ss). Sua mensagem de
salvação pressupõe certamente uma interiorização mais do que às realidades
políticas ou econômicas, refere-se à libertação do pecado, da concupiscência e
da morte. Não implica a salvação, que se reduz apenas ao coração. Cristo coloca
no centro de sua pregação o
Reino, que é a presença de Deus
entre os homens, dirigindo-os pelos caminhos do amor e da paz. Livrado o ser
humano do pecado, quer formar o homem novo, que possa conseguir, com sua graça,
instaurar o novo mundo de santidade e justiça.
Teillard de Chardin utilizou uma audaciosa
comparação. Assim como foi necessária a evolução da matéria até um alto grau de
complexidade para o aparecimento da vida, a atual criação também necessita de
um longo processo evolutivo para que o espírito possa vir em sua plenitude, como
origem da nova e definitiva etapa escatológica. Nesse sentido, toda ação na
justiça e no amor leva ao Reino, não se reduzindo esse processo a um exercício
de méritos para obter transferência para outra esfera.
Tempo
O tempo é algo como uma moldura móvel em que se
encontra enquadrada a vida do homem e de seu universo. Trata-se de uma dimensão
essencial do homem, que se encontra presente em todos os seus campos de
atividade, inclusive e concretamente no religioso. As religiões primitivas fixaram-se fundamentalmente
no tempo cósmico, pois o cosmos
era o lugar em que descobriram Deus e chegavam ao encontro com ele. A forma
peculiar do tempo era cíclica, baseada na rotação dos astros e na periodicidade
das estações. Todo o culto estava ligado ao ritmo dos tempos da colheita e dos
novilúnios. No fundo, esse tempo mundano outra coisa não era do que a repetição
do tempo primordial, no qual os deuses haviam realizado as suas grandes
façanhas criadoras. Pelos ritos e pela repetição dos mitos, o homem procurava
superar a caducidade do tempo presente e alcançar a plenitude do tempo divino
primordial.
A Bíblia também apresenta uma sacralização
do tempo e das estações, ao
longo de um calendário disposto por Deus (Ex 34, 18 ss; Lv 23; Dt 16). No
Antigo Testamento, as festas são celebrações de agradecimento a Iahweh por ter
derramado suas bênçãos sobre os campos e rebanhos e ter realizado obras
maravilhosas em benefício de seu povo ao longo do tempo. O tempo humano passou
a se colocar no centro da preocupação religiosa, com os bens produzidos pelos
campos sendo substituídos pelo destino do povo em sua lutas e esperanças
históricas.
O tempo histórico, como o tempo de liberdade
humana, já não é cíclico. Ele
não se dá no eterno retorno das mesmas coisas. Trata-se de um tempo linear,
aberto para a constante novidade de um futuro que nunca se repete. O homem vai se
aprofundando no próprio mistério do tempo, que é visto como a incessante
passagem de um passado feito para um presente fluido, aberto para um futuro
imenso e misterioso. Em meio a esse deslizar do tempo encontra-se o homem, com
a tarefa de sua própria vida. O que condiciona o homem e o força a tomar
decisões nas quais tudo se decide de modo definitivo é precisamente o aspecto
de caducidade e limitação do tempo. Desde que toma consciência de si mesmo, o
homem sabe que está encerrado em um circuito limitado, que faz fronteira com a
morte. Assim, cada uma de suas ações adquire uma transcendência que é decisiva
e irrepetível. A Bíblia constitui um constante apelo à vigilância diante de um
tempo do qual brotam o juízo de Deus e a salvação. A voz dos profetas é um
grito para que se descubra nos sinais dos tempos e Deus. E o Novo Testamento
ressalta a expectativa do Cristo
que vem (Mt 25).
Por outro lado, a Bíblia contrapõe o tempo humano à
eternidade ou tempo de Deus. A transcendência de Deus em relação ao homem não
pode deixar de se manifestar em um tempo diferente e único, a eternidade.
Diferença é mais qualitativa do que quantitativa. Deus é de eternidade à
eternidade, sem cruzar o nosso tempo.
Toda Bíblia está marcada essencialmente pela
passagem do tempo, constituindo uma verdadeira história. Não se trata do
pensamento sobre o bem e o mal, nem de uma doutrina sobre a salvação. É uma
história dos homens que caminham para Deus pelo único caminho do tempo. As
primeiras palavras da Bíblia são alusivas ao tempo: "No princípio..."
E as últimas palavras constituem um novo chamado à esperança no futuro:
"Sim, venho muito em breve!" (Ap 22, 20)
A eternidade de Deus não pressupõe distanciamento.
O tempo do homem está marcado pela infidelidade e o pecado. Mas se abre
continuamente para a salvação.
Cristo apareceu na terra em uma etapa de tempos
inquietantes e tensos. Perdia-se a satisfação do presente e voltava-se para a
esperança do futuro. "O tempo está cumprido e o Reino de Deus está
próximo." (Mc 1,15)
Para a escola
liberal, Cristo encerra uma
missão presente: santificar a porção atual do tempo. Sermão da Montanha:
doutrina que se resume no amor. Para a escola
escatológica, Cristo descuida-se
do presente e se inclina apaixonadamente sobre o futuro, de onde chega o Reino
de Deus. Cristo procura converter o homem, abri-lo para o amor e fazê-lo viver
a serviço dos outros, como um caminho que realmente prepara a vinda ao Reino.
Sem uma síntese das duas correntes, não é possível compreender o Evangelho sem
mutilá-lo.
O cristão sabe que é pecador e que participa das
injustiças do mundo presente, mas, em constante conversão, conta com a mediação
de Cristo junto ao Pai. Espera o Reino, mas não se desespera no presente. Ama o
encontro definitivo com o Pai, mas sem impaciência, pois já leva em seu coração
as primícias do Espírito.
Tradição
Por tradição entendemos o patrimônio cultural que a
história nos legou a partir do qual começa a se exercer a nossa liberdade. O
homem nunca é um Adão que inaugura a história. Ele nasce em uma situação, em um
meio cultural e em circunstâncias humanas que o ligam a um passado e a uma
geografia. Esse mundo do passado é o substrato fundamental sobre o qual cada pessoa
e cada geração empreendeu a tarefa de construir o futuro. Nós estamos de tal
forma condicionados pelo passado que recebemos dele não apenas a vida corporal
e espiritual, mas também a cultura. Do passado, recebemos a linguagem, que é
uma forma intrínseca do nosso pensamento, isto é, tradição concentrada e viva
em nós. Com a linguagem, recebemos as formas de pensar, julgar, valorizar e
viver. Até mesmo os gênios mais originais não podem deixar de partir das
condições que encontram para superar a situação. E é no diálogo e na discussão
com seus predecessores que conseguem superá-los. No fundo, as colocações e
muitos elementos dessa tradição acabam perdurando no novo enfoque. O novo
sempre aparece como desenvolvimento do passado, mesmo nos saltos mais espetaculares
do progresso. Essa tem sido a lei da história: quanto mais desenvolvida e
organizada está a cultura, maior é o grau de dependência do legado do passado
que ela impõe.
Com base na tradição, cada pessoa ou cada geração
traz a sua contribuição nova, superando e esquecendo a tradição. Sem isso, a
história estagnaria, limitando-se a uma simples repetição do passado.
A religião de Israel se desenvolveu dentro
de uma tradição. Israel
era portador de uma revelação salvífica destinada às futuras gerações e com
sentido universal. A Bíblia é a expressão escrita da tradição de Israel, pois
conserva a história desde as origens épicas do Êxodo, as formas jurídicas que o
povo desenvolveu em suas diversas etapas, episódios ligados a santuários,
rituais, hinos...
Cristo inscrevia-se no quadro da tradição
judaica,
movendo-se em seu mundo de imagens, símbolos e esperanças. Mas sua atitude foi
plenamente inovadora. Ele mudou o próprio sentido da Lei, interiorizando-a.
Resumiu a lei do amor, deixando de lado costumes, ritos e tradições. Desse
modo, inaugurou uma nova tradição, que iria adquirir pleno sentido com sua
morte e ressurreição.
No entanto, são
graves os perigos de uma concepção estreita da tradição. De um lado, encontra-se o perigo visto pelos
reformadores: o risco de que a palavra de Deus ficasse em mãos de uma
autoridade que a interpretasse de acordo com interesses e circunstâncias. Do
outro lado, está o perigo de conservar a tradição literalmente, fazendo dela
uma nova escritura, fixa e imutável.
Assim, a tradição deve ser progressiva e crescente,
ao mesmo tempo que uniforme, de acordo com as diversas manifestações da
cultura. Essa diversidade é fonte de riqueza, desde que se mantenha a unidade
essencial da mensagem de Cristo, que é sempre mais espírito do que letra e que
necessita de uma permanente reformulação.
Tristeza
A vida humana está tão estreitamente ligada à
desgraça e à dor que a tristeza constitui um dos sentimentos mais frequentes e,
ao mesmo tempo, mais temidos do humor. A tristeza é como uma queda espiritual,
que obscurece a existência e torna pesada e dolorosa qualquer forma de
experiência. As causas da tristeza podem ser as mais variadas, mas sempre se
reduzem a algum mal, nosso ou dos seres amados, que rouba a nossa alegria de
viver. Tanto as religiões como as filosofias procuraram de diversos modos
superar a tristeza que obscurece a vida e alcançar as raízes vivas da alegria a
fim de acabar com esse estado de isolamento e depressão.
Mas curiosamente, as religiões que pretendem buscar
a alegria e a solução apresentam-se frequentemente com atitudes
predominantemente tristes. Será por defeito ou por autenticidade que muitos
cristãos não apresentam uma atitude alegre diante da vida? A meditação sobre os
problemas profundos e metafísicos da vida levará a um estado de tristeza?
Parece-nos necessário distinguir entre duas formas de tristeza: a tristeza fundamental diante da vida, por um sentimento de falta de sentido e valor
de nossa contingência, e as tristezas ocasionais, que, por mais profundas e
dolorosas que sejam, não roubam nada, mas, ao contrário, só fortalecem o valor
e o apreço pela vida, concebida como uma experiência valiosa e significativa. O
afastamento evasivo da realidade apresenta frequentemente um pano de fundo
pessimista e trágico, pois a pessoa se recusa a enfrentar a realidade em si,
procurando viver de costa para os graves problemas fundamentais da vida. Nessa
alegria superficial e enganosa esconde-se uma angústia, que mina a verdadeira
alegria. As religiões, ao contrário, estimulam uma corajosa visão do mistério
do ser, que não pode deixar de afetar seriamente o homem, muito embora lhe
transmita uma nova forma de alegria, mais sensata e moderada, mas ao mesmo
tempo mais profunda e decisiva.
Por isso, a alegria e a tristeza não podem ser
medidas externamente, por suas manifestações superficiais. E também não se pode
falar de tristeza do cristão pelo fato de ele recorrer menos ao divertimento e
à alegria provocados artificialmente por situações e prazeres superficiais. Na
realidade, o cristianismo
se apresenta como uma boa nova, um anúncio de felicidade que diz respeito à
vida inteira. Trata-se de uma
forma nova de exaltação, que parece arrancar pela raiz todas as outras tristezas
cotidianas.
O Antigo
Testamento apresenta
muitas reflexões sobre esse problema... Mas, em sua dimensão mais teológica,
procura-se ver no pecado a
causa da verdadeira tristeza.
O cristão caminha incessantemente para superação
definitiva da tristeza, com o ingresso no Reino do gozo e da alegria. Por isso,
sua disposição fundamental é de contentamento, disposição que supera toda
possível situação de tristeza.
Verdade
É muito difícil precisar o significado e o conteúdo
da verdade. E, no entanto, ela constitui uma das aspirações mais universais do
homem. Todos nós aspiramos à verdade, embora por diferentes caminhos e mesmo
sem saber exatamente como ou onde encontrar. Às vezes, luta-se por uma mesma
verdade a partir dos mais opostos antagonismos.
Num primeiro sentido, a verdade costuma ser
entendida como a realidade
autêntica de um ser. A verdade
é o próprio ser das coisas, em sua originalidade específica. Mas o homem só
chega às coisas através de seu conhecimento, que é imperfeito. E é nesse ponto
que se encontra a principal fonte dos erros: o homem não conhece as coisas como
elas são em si mesmas, mas sim deformadas por suas ideias preconcebidas, por
seus sentimentos ou por suas conveniências. Por isso, costuma-se definir a
verdade como adequação do
pensamento à realidade, isto é,
quando a mente consegue captar o objeto em sua realidade, dele desenvolvendo
uma imagem autêntica para si. Dai a necessidade de aperfeiçoar os recursos cognoscitivos
para conseguir captar as coisas como elas realmente são.
A essa captação da verdade, desenvolvida sobretudo
pelo pensamento grego, deve-se acrescentar a concepção judaica, menos
científica, mas mais pessoal: a verdade é fundamentalmente a fidelidade de um ser que corresponde à sua
promessa. Ou seja, o homem que
se expressa na promessa e se realiza de acordo com ela é o homem verdadeiro.
Nesse sentido, o modelo primordial da verdade é Deus. Ao contrário dos homens,
enganadores e falsos, capazes de não cumprir suas promessas, Deus é fiel, é
aquele cuja firmeza se assemelha à rocha inabalável.
O Novo
Testamento herdou e desenvolveu as verdades judaicas: a verdade é a fidelidade de Deus, que se
cumpriu em Cristo. Ele é o "sim" a todas as promessas de Deus, o
"Amém" (em hebraico, "verdade") que cumpre tudo o que se
anunciou no Antigo Testamento. Deus da verdade se opõe à mentira dos ídolos.
Mas a noção mais tipicamente evangélica é a da verdade como revelação de Deus em Cristo e no Evangelho.
Também está presente na Bíblia a noção de verdade como expressão da interioridade, ou seja, a
coincidência entre o que se pensa e o que se diz. Trata-se da manifestação real daquilo que cada
um tem em seu interior, contrapondo-se à mentira, ao engano ou à hipocrisia.
No mundo moderno, vivemos em uma sociedade
de consumo que se serve de todos os meios para promover a venda de toda sorte
de produtos. Para
tanto, recorre à mentira, estudada psicologicamente e apresentada com
inúmeros traços de beleza e atração. Isso faz com que vivamos para a satisfação
fictícia de nossos desejos e com a inevitável frustração diante do falso. O
mesmo vale para o mercado
das ideologias, onde grosseiras
mentiras, como o ocultismo ou a magia, se apresentam sob as roupagens de
modernidade ou de ciência. Ou onde doutrinas políticas prometem fáceis paraísos
quase sem esforço e libertam de qualquer culpa. A verdade sempre é dura.
Acostumados aos prazeres e alienações, é duro atrever-se a dizer a verdade, que
sempre é desagradável para uns e para outros. E, no entanto, essa verdade dura
e amarga é a única fonte de felicidade, pois uma construção autêntica só pode
basear-se na realidade. O resto é simples aparência, sem solidez.
A realidade é um mistério que supera todos os
esforços de formulação ou utilização. Por isso, a dimensão religiosa da
verdade, marcada pelo compromisso, pela veneração e pela acolhida, é
imprescindível para que a verdade não seja mutilada.
Por isso, devemos defender o aspecto religioso da verdade. A religião
é inseparável da realidade e, por conseguinte, da verdade, embora seja uma verdade captada pela fé, pela
intuição emocional. A verdade é uma só, embora seja múltipla em suas vertentes
e manifestações. É preciso que a vivência religiosa procure viver em harmonia
com a vivência científica ou com a prática, pois a realidade é única, embora
nós cheguemos a ela por diferentes caminhos e com metodologias opostas. Devemos
educar o povo para que compreenda a verdade profunda da religião, que nunca se
identifica com o sistema de símbolos através dos quais se manifesta.
Virgindade
/ Celibato
A virgindade consiste na integralidade sexual da pessoa que não manteve
relações sexuais. Apresenta
aspecto positivo e negativo. No aspecto positivo, há a novidade, a disposição
para o primeiro encontro sexual; no aspecto negativo, a falta da experiência.
Celibato é uma forma de vida que exclui as relações sexuais, tanto de direito
como de fato. Em si mesmo, não exige a virgindade.
Muitos povos antigos, inclusive o de Israel,
valorizavam bem pouco a virgindade definitiva. A virgindade era valorizada
quando se tratava de condição prévia à entrega da mulher ao seu marido. Para a
mulher, constituía um crime e uma desonra o fato de não chegar virgem ao
casamento. E o marido tinha o direito de acusá-la por isso diante de seus pais,
configurando um delito para o qual a Lei impunha a lapidação (Dt 22, 13ss). Por
isso mesmo, a Lei protegia a virgindade das jovens: se alguém desonrava uma
virgem, era obrigado a casar-se com ela e pagar uma indenização ao seus (Ex 22,
15ss). Embora essa valorização da virgindade indique um desejo de proteção da
família e de assegurar a descendência legítima, muitas vezes deu margem ao
surgimento de uma concepção de que a mulher era um objeto de venda, que devia
ser entregue intacto, e em boas condições. Caso contrário, considerava-se como
uma traição ao marido, que, por sua vez, era muito mais livre em suas relações
sexuais.
Em muitos povos, a virgindade era uma forma
de consagração aos deuses, mas Israel não valorizava a virgindade cultual. Um grupo de donzelas permanecia nos lugares
sagrados, sendo consideradas como esposas do deus, imaginando-se que ele teria
relações com elas. Por isso, o pecado dessas virgens era considerado como um
terrível sacrilégio. No entanto, Israel tinha algumas prescrições relativas à
virgindade cultual, como o caso do sumo sacerdote, que só podia casar-se com
uma virgem, caso contrário ficaria em estado de impureza. (Lv 21, 13s)
Mais do que a valorização da virgindade como
condição prévia para o casamento, o Novo
Testamento insiste na igualdade dos sexos. (Gl
3, 28) A exigência moral da castidade volta-se mais para a pessoa. Mas no Novo
Testamento nos leva a uma valorização
mais espiritual da pessoa.
Talvez a maior valorização da virgindade no Novo
Testamento seja a pessoa de Maria. A
virgindade de Maria é símbolo da virgindade da Igreja, que também aceita Deus virginalmente e recebe
o seu dom em Jesus Cristo.
Jesus teve uma vida celibatária, não por desprezar
a sexualidade, mas sim para viver uma entrega total e ilimitada à causa de seu
Pai.
O celibato se estendeu entre os cristãos como uma
tendência ao heroísmo, um sinal de superação do presente e uma antecipação
escatológica do Reino, como um propósito de imitar mais de perto o Mestre.
Fora dedicação ao Reino, o celibato pode tender a
degenerar um evasão ou misantropia.
Uma antiga tradição da Igreja foi progressivamente
exigindo moralmente dos ministros da pregação e do culto a observância do
celibato. O Novo Testamento não fazia essa exigência, por tratar-se de um
carisma. Mas uma crescente exigência de imitar mais de perto a vida de Cristo e
reações justificadas contra frequentes abusos que perturbavam a consciência dos
freis foram transformando o costume numa Lei. Na Igreja Oriental, que valoriza
muito o carisma do celibato, como o demonstra o florescimento da vida
monástica, ele não é obrigatório para diáconos e presbíteros, mas apenas para
os bispos. Nas Igrejas protestantes, ao contrário, o normal é que seus
ministros sejam casados. Na Igreja ocidental, que mantém com todo o rigor a
antiga disciplina, hoje muitos já pensam que se deveria permitir a ordenação
daqueles que têm anseios de exercer o ministério sacerdotal e não sentem o
carisma do celibato, especialmente em regiões onde o celibato é mal visto ou
onde há grande escassez de vocações. No entanto, por enquanto, a suprema
autoridade da Igreja não parece disposta a modificar a disciplina vigente.
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