A coleção da Revista Espírita
é a mais prodigiosa fonte de informações sobre o espiritismo e de instruções
doutrinárias. Allan Kardec a indica, no capítulo 3.º de O Livro dos Médiuns, como obra indispensável para o estudo da
Doutrina. Aconselha mesmo a seguinte ordem para esse estudo: 1.º) O que é o Espiritismo;
2.º) O Livro dos Espíritos; 3.º) O Livro dos Médiuns; e 4.º) a Revista Espírita. Considera o primeiro
livro indicado como simples introdução, os dois seguintes como fundamentais e a
Revista como obra complementar, no sentido exato da palavra, ou seja, destinada
a completar o ensino básico de O Livro
dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns.
Eis
como ele se refere à Revista Espírita,
no trecho referido: “Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de
trechos destacados que completam a exposição das duas obras precedentes, e que
representa de alguma maneira a sua aplicação. Sua leitura pode ser feita ao
mesmo tempo que a daquelas obras, mas será mais proveitosa e sobretudo mais
compreensível após a leitura de O Livros
dos Espíritos”.
Esta
expressão de Kardec: e que representa de alguma maneira a sua aplicação dá à Revista Espírita uma posição excepcional
no conjunto da Codificação, a de verdadeiro documentário, com um sentido ainda
mais significativo e valioso que é o de relatório científico e histórico.
Aliás, o próprio Kardec escreveria mais tarde, como se pode ler em Obras Póstumas, no capítulo X da
Constituição do Espiritismo: “... A Revista
foi até agora, e não podia deixar de ser, uma obra pessoal, visto que fazia
parte de nossas obras doutrinárias, constituindo os Anais do Espiritismo. Por
seu intermédio é que todos os princípios novos foram elaborados e entregues ao
estudo. Era pois necessário conservar o seu caráter individual, para que se
estabelecesse a unidade.
O
Codificador, portanto, é o primeiro a mostrar a importância da Revista Espírita no conjunto da Codificação.
Até agora, entretanto, essa obra era simples raridade bibliográfica, reservada
ao conhecimento de alguns privilegiados que a possuíam no original francês. E é
inacreditável que no Brasil, onde o Espiritismo encontrou por assim dizer o
clima espiritual mais apropriado ao seu desenvolvimento, só agora a Revista Espírita seja colocada ao
alcance do público, em tradução para a nossa língua. Kardec revela, como vimos,
que a Revista foi o seu mais
importante instrumento de pesquisa, verdadeira sonda para a captação das
reações do público, ao mesmo tempo que instrumento de divulgação e defesa da
Doutrina. Mais do que isso, porém, constitui-se numa espécie de laboratório em
que as manifestações mediúnicas, colhidas por todo o mundo, eram examinadas à
luz dos princípios de O Livro dos
Espíritos e controladas pelas experiências da Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas e pelas novas manifestações espirituais recebidas.
É
nas suas páginas que os atuais estudiosos da fenomenologia espírita encontrarão
os elementos necessários à ampliação dos seus conhecimentos e à consequente
formação de uma sólida cultura doutrinária. Todas as atuais questões surgidas
no meio espírita, a respeito de aspectos e pontos da Doutrina, serão elucidadas
pelo estudo atencioso do gigantesco acervo desta coleção. Ocorrências que hoje parecem
novas e aturdem alguns praticantes e estudiosos do Espiritismo têm aqui os seus
precedentes registrados, com as soluções já então oferecidas pelo admirável bom
senso de Kardec, aliado às instruções constantes que recebia de seus guias
espirituais. Por isso podemos afirmar que a publicação desta coleção marca uma
nova era do Espiritismo no Brasil e em todo o continente. Já não é possível a
um espírita estudioso prescindir da leitura e do exame dos doze volumes desta
coleção.
Allan
Kardec, durante onze anos e quatro meses de trabalho intensivo, ofereceu-nos,
ao vivo, toda a História do Espiritismo, no processo de seu desenvolvimento e
sua propagação no século dezenove. Podemos acompanhar nestas páginas, passo a
passo, o esforço ao mesmo tempo grandioso e minucioso de Kardec na construção
metódica da Doutrina e na estruturação do movimento espírita. A História do
Espiritismo se nos apresenta, assim, como uma forma de vivência que se
autofixou na escrita. Podemos senti-la e revivê-la no registro preciso das
reuniões, das pesquisas, das comunicações espirituais e dos trabalhos vários da
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, dos grupos familiares e dos Centros
Espíritas, bem como das Sociedades estrangeiras a ela ligadas. Nada se oculta
ao leitor. Os problemas, as preocupações de Allan Kardec, suas lutas dentro e
fora do meio espírita, suas vitórias tranquilas, sua resistência à calúnia, à
mentira, à difamação, sua fé inabalável, tudo isso palpita nestas páginas e nos
dá a impressão de vivermos ao lado do Codificador, na sua época.
Numerosas
questões apenas afloradas nos livros da Codificação, que não podiam abranger
tudo nem tudo esmiuçar, são amplamente tratadas na Revista, com todos os seus pormenores, e exaustivamente analisadas.
Problemas como os referentes à mediunidade curadora em seus vários aspectos;
aos casos de obsessão e possessão; ao desenvolvimento mediúnico; aos métodos de
trabalho prático e teórico; à legitimidade das comunicações e à prevenção das
mistificações (que não são um problema espírita, mas humano, pois a
mistificação está presente em todos os campos das atividades humanas na Terra);
das vidas sucessivas e das formas de reencarnação consciente e inconsciente,
neste e em outros mundos; da existência de espíritos não-humanos (que tem
servido de arma para ataques de espiritualistas diversos contra o Espiritismo,
simplesmente por desconhecerem a posição doutrinária no assunto) são todos
esclarecidos de maneira viva na Revista,
ou seja, através de exemplos e comunicações a respeito, além das análises de
Kardec. Veja-se, no tocante a esse último problema, as comunicações de
Espíritos que se apresentam como Gênio das Flores, Anjo das Crianças, os
chamados elementares da Teosofia e do Ocultismo.
Capítulo
dos mais importantes e estreitamente ligado às pesquisas parapsicológicas
atuais é o das manifestações de pessoas vivas. Esse capítulo se estende por
toda a coleção através dos relatos de fatos espontâneos e principalmente dos
relatórios de pesquisas. Além dos relatórios há o registro ao vivo das sessões
da Sociedade em que se faziam evocações experimentais nesse campo. Registros
minuciosos, com todas as perguntas e respostas do diálogo entre Kardec e o
Espírito manifestante e com todas as informações necessárias ao esclarecimento
do assunto. A questão do animismo, sempre levantada contra o Espiritismo,
apesar das refutações magistrais e clássicas de Bozzano e Aksakof, foi assim
resolvida em definitivo por Kardec, muito antes do trabalho desses cientistas,
e resolvida de maneira científica, através dos trabalhos experimentais. É Assim
que não só o animismo, mas também os problemas do inconsciente, do automatismo
psíquico, da escrita automática, das funções psi em todas as suas modalidades
atuais e em outras ainda nem afloradas, do magnetismo e do hipnotismo, das
relações psicossomáticas e outras mais, todos esses problemas são enfrentados
de maneira científica nestas páginas e levados à devida solução.
Os
adversários honestos do Espiritismo encontram nesta coleção a possibilidade de
conhecer amplamente a questão espírita e temos a certeza de que muitos deles,
após a leitura atenta destes volumes, poderão às conclusões finais de Cesare
Lombroso e Charles Richet, rendendo homenagem ao bom senso e ao critério
científico de Kardec. Quanto aos adversários sistemáticos, sectários ou de má
fé nada podemos esperar, sendo a tentativa de desmerecer a grandeza da obra e a
sua verdadeira significação na História do Conhecimento. A propósito, a Revista nos oferece ainda o exemplo das
respostas de Kardec aos agressores do Espiritismo. Já naquela época a situação
era a mesma: os adversários ignoravam o assunto. Kardec lhes mostra com bom
senso e firmeza a fragilidade dos seus argumentos, repele os seus gracejos e as
suas ironias em nome da seriedade dos problemas em causa, convida-os a estudar
a Doutrina ou a se aprofundarem mais nas próprias questões que levantaram,
usando às vezes de energia, porém jamais esquecido da caridade, que foi a
bússola constante de sua vida e de todas as suas atividades.
Há
ainda um capítulo importante de Psicologia, que se desenvolve nestes volumes: o
da natureza dos animais e de suas relações com os homens. As pesquisas
psicológicas nesse campo foram bastante intensificadas nos princípios de nosso
século e hoje vão sendo enriquecidas com a contribuição das investigações
parapsicológicas. Nos Estados Unidos e na Rússia, particularmente, os
parapsicólogos se interessam pela verificação das funções psi nos animais. O
Espiritismo cuidou desse problema desde o início, como atestam os trabalhos e
as comunicações espirituais a respeito, publicadas na Revista. As comunicações do espírito George, discutidas por Kardec,
analisadas em seus diversos aspectos e submetidas a debates na Sociedade, e
vários fatos referentes à mediunidade nos animais constituem um dos mais
curiosos e bem atualizados capítulos desta coleção, revelando ainda uma vez
quanto o Espiritismo se antecipou aos problemas científicos dos nossos dias.
A
era espacial é outra prova dessa atualidade. Kardec a iniciou não só no plano
conceptual, firmando em O Livro dos
Espíritos o princípio da pluralidade dos mundos habitados, que Camillo Flammarion
posteriormente desenvolveu, com sua autoridade de astrônomo, num livro com esse
título, mas também deu início às pesquisas a respeito. Não se servia de
telescópios, mas de médiuns. Suas sondas espaciais eram as próprias almas
humanas e os Espíritos comunicantes. Veja-se o magnífico desenho da casa de
Mozart em Júpiter, incluído neste primeiro volume da Revista e leia-se a análise sensata de Kardec. Quem recebeu o desenho
foi o famoso autor teatral Victorien Sardou, médium, que entretanto não sabia
desenhar. Mas as comunicações espíritas sobre os mundos habitados, publicadas
na seção Palestras Familiares de Além-Túmulo, são documentos ainda mais
impressionantes. Até há pouco podia-se rir de tudo isso. Hoje, porém, que os
mais céticos já admitem, tanto no mundo capitalista quanto no mundo socialista,
tanto entre espiritualistas quanto entre materialistas, a teoria espírita da diversidade
das formas de vida nos diferentes planetas, e que as próprias religiões mais
contrárias a ela também começam a aceitá-la, é evidente que as observações de
Kardec a respeito assumem novo aspecto. Assinale-se ainda que, no campo das
pesquisas parapsicológicas, renovam-se em nossos dias as tentativas de comunicação
interplanetária por meio do mesmo instrumento usado por Kardec: o médium, pois
as provas científicas da possibilidade de telepatia a distâncias imprevisíveis vieram
reforçar a posição espírita nesse campo.
A
História do Espiritismo, ainda não escrita de maneira sistemática, apesar de
algumas contribuições pioneiras como a de Conan Doyle, revela-nos aspectos
novos nesta coleção. Kardec estabelece as duplas ligações do Espiritismo com o Cristianismo,
de um lado, e com o Druidismo, de outro, e prova que antes das ocorrências espíritas
de Hydesville, nos Estados Unidos, com as irmãs Fox, já se realizavam sessões espíritas
na França, como as de Charles Renard em Rambouillet, que o levaram a
considerar: “É de nosso conhecimento que muitas pessoas ocupavam-se de comunicações
espíritas muito antes do aparecimento das mesas-girantes, do que temos provas,
com datas certas”. Além disso, Kardec estabelece as relações profundas entre as
religiões primitivas, a Mitologia, as chamadas religiões positivas e o
Espiritismo, num encadeamento histórico que é também um dos capítulos mais
fecundos da Antropologia Cultural, abrindo possibilidades, agora reforçadas
pela Parapsicologia, para a elaboração da Antropologia Mediúnica. E há ainda a contribuição
espírita para o esclarecimento dos problemas históricos, não só através das
curiosas comunicações de personagens famosos, como da interpretação palingenésica
que o Espiritismo oferece, renovando as perspectivas da História e da Filosofia
da História.
Por
tudo isso, e por muito mais ainda, que o leitor e o estudante descobrirão por
si mesmos, a coleção da Revista Espírita
se apresenta como obra indispensável aos homens de cultura de nosso tempo,
sejam ou não espíritas. Mas particularmente os espíritas, e em especial os que
têm responsabilidade de orientação no movimento doutrinário, não podem olvidar
o seu dever de ler e estudar esta obra com atenção e amor. E foi por isso que a
escolhemos para iniciar a publicação, pela primeira vez no mundo, das Obras Completas de Allan Kardec, que
agora apresentamos.
Revista Espírita de 1858, tradução de Júlio Abreu Filho. São Paulo: Edicel.
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