Allan Kardec, na Revista Espírita de julho de 1868, discorre sobre uma
pergunta que lhe foi feita várias vezes: o que você pensa sobre a concordância
dos números, e se acredita no valor dessa ciência. Começa a sua análise,
dizendo que ainda não tinha pensado no assunto. Observara alguns fatos de
concordâncias singulares entre as datas e certos acontecimentos, mas em
pequeníssimo número para deles tirar uma conclusão mesmo aproximativa.
Não via razão
para tal concordância, mas o fato de não se compreender alguma coisa não
significa que não seja verdadeira. Essa correlação pode ser traduzida por
números. Contudo, não podemos dar-lhe o nome de ciência. "Uma ciência é um
conjunto de fatos bastante numerosos para deles deduzir a regras, e suscetíveis
de uma demonstração; ora, no estado de nossos conhecimentos, seria de toda
impossibilidade dar dos fatos desse gênero uma teoria qualquer, nem nenhuma
explicação satisfatória. Não é, ou, querendo-se, não é ainda uma ciência, o que
não implica em sua negação".
Devemos estudar
os fatos segundo a duração relativa. Em se tratando dos astros, os termos de
comparação variam segundo os mundos, porque fora dos mundos o tempo não existe:
não há unidade para medir o infinito. "Não parece, pois, que possa aí
haver uma lei universal de concordância para a data dos acontecimentos, uma vez
que a suposição da duração varia segundo os mundos, a menos que não haja, sob
esse aspecto, uma lei particular para cada mundo ligada à sua organização, como
delas há uma para a duração da vida de seus habitantes".
Caso essa lei
realmente exista, ela será um dia reconhecida pelo Espiritismo, que é
progressista e assimila todas as verdades, quando elas são constatadas. Tendo
esta questão sido posta aos Espíritos, foi respondido:
"Certamente,
há no conjunto dos fenômenos morais, como nos fenômenos físicos, relações
fundadas sobre os números. A lei da concordância das datas não é uma quimera; é
uma daquelas que vos serão reveladas mais tarde, e vos darão a chave de coisas
que vos parecem anomalias; porque, crede-o bem, a Natureza não tem caprichos;
ela caminha sempre com precisão e infalivelmente. Essa lei, aliás, não é tal
como a supondes; para compreendê-la em sua razão de ser, seu princípio e sua
utilidade, vos será preciso adquirir ideias que ainda não possuis, e que virão
com o tempo. Para o momento, esse conhecimento seria prematuro, razão por que
ele não vos é dado; seria, pois, inútil insistir. Limitai-vos a recolher os
fatos; observai sem nada concluir, de medo de vos enganar. Deus sabe dar aos
homens o alimento intelectual à medida que estão em estado de suportá-lo.
Trabalhai sobretudo pelo vosso adiantamento moral, é o mais essencial, porque
será por aí que merecereis possuir novas luzes."
Na Natureza,
muitas coisas estão subordinadas a leis numéricas, suscetíveis dos mais rigorosos
cálculos, principalmente o das probabilidades. É certo, pois, que os
números estão na Natureza e que as leis numéricas regem a maioria dos fenômenos
da ordem física. Ocorre o mesmo com os fenômenos de ordem moral e metafísica?
Se os acontecimentos que decidem a sorte da Humanidade têm seus vencimentos
regulados por uma lei numérica, é a consagração da fatalidade, e, então,
em que se torna o livre-arbítrio do homem?
O Espiritismo
jamais negou a fatalidade de certas coisas, mas ela não entrava o livre-arbítrio.
Vejamos dois exemplos: 1) o ser humano deve fatalmente morrer; mas se ele
apressa voluntariamente a sua morte pelo suicídio ou por excessos, ele age em
virtude de seu livre-arbítrio; 2) o ser humano deve comer para viver: é da
fatalidade; mas se come além do necessário, pratica ato de liberdade. A
Natureza tem suas leis fatais que opõem ao homem uma barreira, mas ao lado da
qual pode se mover à vontade.
"O homem
pode, pois, ser livre em suas ações, apesar da fatalidade que preside ao
conjunto; é livre em uma certa medida, no limite necessário para lhe deixar a
responsabilidade de seus atos; se, em virtude dessa liberdade, ele perturba a
harmonia pelo mal que faz, se coloca um ponto de parada à marcha providencial
das coisas, ele é o primeiro a sofrer por isto, e como as leis da Natureza são
mais fortes do que ele, acaba por ser arrastado na corrente; ele sente, então,
a necessidade de reentrar no bem, e tudo retoma o seu equilíbrio; de sorte que
o retorno ao bem é ainda um ato livre, embora provocado, mas não imposto, pela
fatalidade".
Fonte de
Consulta
KARDEC,
Allan. Revista Espírita de 1968, "A Ciência da Concordância dos Números e a Fatalidade"
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