Na Revista Espírita de 1867, um jornalista
comenta a obra "As Três Filhas da Bíblia", de Hippolyte Rodrigues,
que prevê a fusão das três grandes religiões descendentes da Bíblia: a judia, a
católica e a maometana. Registremos a seguinte a parte: "Quero fazer
aceitar a crença nova pelo raciocínio. Até este dia, não há senão a fé que
tenha fundado e mantido as religiões, por esta razão suprema de que, quando se raciocina, não se crê mais, e quando um povo, uma época, deixou de crer,
vemos logo ruir a religião existente, não se vê levantar a religião nova."
Allan Kardec não quer criticar o autor,
mas fazer uma análise serena de "quando se raciocina não se crê
mais". Kardec pensa que quando o indivíduo raciocina a sua crença, ele
naturalmente crê mais firmemente, porque compreende melhor a sua crença. Diz,
ainda, que foi em virtude deste princípio que forjou a sua célebre frase:
"Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face em
todas as épocas da Humanidade".
Erro 1: tratar o particular pelo todo. A maioria das religiões comete
o erro de, por meio da fé cega, edificar todo o arcabouço do dogma absoluto.
Nesse caso, as pessoas são obrigadas a aceitar por muito tempo uma determinada
crença, não se importando com as pesquisas científicas que vieram contradizer
tais dogmas. "Disto resultou, num grande número de pessoas, essa prevenção
de que toda crença religiosa não pode suportar o livre exame, confundindo, numa
reprovação geral, o que não eram senão casos particulares".
Erro 2: "Quando um povo, uma época deixou de crer, vê-se logo
ruir a religião existente, não se vê levantar a religião nova."
Dificilmente um povo fica sem religião. A maioria delas surgiu em tempos
passados – fundadas no princípio da imutabilidade –, quando a ciência engatinhava os seus passos, ou seja,
erigiram em crenças errôneas, que só o tempo poderia reparar. Elas caem pela
força das coisas, como acontece com tudo o mais; no entanto, não se aniquilam:
elas transformam-se.
"A transição não se opera jamais de
maneira brusca, mas pela mistura temporária das ideias antigas e das ideias
novas; é de início uma fé mista que participa de umas e das outras; pouco a
pouco a velha crença se extingue, a nova cresce, até que a substituição seja
completa. Por vezes, a transformação não é senão parcial; são então as seitas
que se separam da religião mãe modificando alguns pontos de detalhe. Foi assim
que o Cristianismo sucedeu ao paganismo, que o Islamismo sucedeu ao fetichismo
árabe, que o Protestantismo, a religião grega, se separaram do Catolicismo. Por
toda a parte veem-se os povos não deixar a crença senão para tomar uma
apropriada ao seu estado de adiantamento moral e intelectual; mas em nenhuma
parte há solução de continuidade".
"Em nossos dias se vê, é verdade, a
incredulidade absoluta erigida em doutrina e professada por algumas seitas
filosóficas; mas seus representantes, que constituem uma ínfima minoria na
população inteligente, têm o erro de se crerem todo um povo, toda uma época, e
porque não querem mais religião, pensam que sua opinião pessoal é o encerramento
dos tempos religiosos, ao passo que não é senão uma transição parcial para uma
outra ordem de ideias".
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